O CABO SUBMARINO, A PRAIA DA CALIFÓRNIA, O PARQUE MARINHO PROFESSOR LUIZ SALDANHA E O INTERESSE MUNICIPAL
Que fique claro que não tenho absolutamente nada de nada contra o cabo submarino, nem contra a ligação do continente europeu ao continente africano. E confesso: não prestei grande atenção aquando do período de consulta pública (que decorreu o ano passado, sem alaridos e sem qualquer tipo de notícia ou publicitação por parte da Câmara Municipal de Sesimbra, como é habitual) e que, de acordo com o portal PARTICIPA, ainda se encontra em análise (?).
Mas, perante a visita do Primeiro-Ministro a Sesimbra, para participar na cerimónia da celebração da chegada do cabo submarino Portugal, decidi ler os documentos que foram disponibilizados para a consulta pública que acima referi (LINK).
(No entanto, e antes de avançar, permitam-me apenas uma consideração: a cerimónia de celebração da chegada do cabo submarino a Portugal decorreu ontem, na Fortaleza de Santiago - ou melhor, dentro de uma tenda estreita e apertada, com toda a gente encavalitada, sendo que o autor do PRR e agora Ministro da Economia, ficou de lado, entalado contra as laterais plásticas da tenda, as cadeiras, uma coluna de som e um holofote que lhe tapava a visão - mas, o cabo propriamente dito, só chega de facto a Portugal, à praia da Califórnia, durante a próxima semana! Se tudo correr bem, lá para dia 23 de Maio. Ou seja, a cerimónia celebrou um acontecimento não ocorrido. É uma ideia nova.)
Atente-se numa breve cronologia:
1969 - Primeira rede de cabos submarinos em Sesimbra (da Companhia Portuguesa Rádio Marconi):
- SAT-1 (cabo telefónico que ligou a Praia da Califórnia e a África do Sul);
- UK-POR (cabo coaxial que ligou Sesimbra a Inglaterra);
1970 - Sistema de cabos submarinos transatlântico TAT-5 e MAT-1 (cabo coaxial que ligou a Praia da Califórnia a Itália, Espanha e Estados Unidos);
1972 - Cabo submarino telefónico coaxial CAM-1 (que ligou a Praia da Califórnia ao Funchal);
1979 - Cabo submarino telefónico coaxial TÁGIDE-1, (que ligou a Praia do Meco a França);
1982 - Cabo telefónico coaxial submarino ATLAS (que ligou Portugal (Burgau) a Marrocos, com ligação à Praia da Califórnia);
1992 - Primeiro sistema de cabos submarinos de fibra óptica e transmissão digital EURÁFRICA66 (que ligou a Praia da Califórnia a França, Marrocos e Madeira);
1996 - Sistema de cabo óptico submarino BUGIO (ligou a Praia da Califórnia a Carcavelos);
1998 - Sistema doméstico óptico submarino SAGRES (ligou a Praia da Califórnia ao Burgau);
1999 - Sistema de cabos ópticos submarinos SEAME-WE 3 (ligando a Praia da Califórnia com a Alemanha, Macau, Austrália e Japão);
2002 - Sistema de cabos ópticos submarinos SAT-3/WACS/SAFE (ligou a Praia da Califórnia à África do Sul);
2011 - sistema de cabos ópticos submarinos EIG (liga Inglaterra e Índia, com ligação à Praia da Califórnia).
Quer isto dizer que existem 11 sistemas de cabos submarinos instalados em Sesimbra (sendo que um deles, está localizado na Praia do Meco). Segundo os dados que são públicos, apenas 5 destes sistemas estão em funcionamento. A pergunta que se põe: aquando da desactivação dos 6 sistemas que estão fora de serviço, alguém removeu do fundo do oceano e da praia, os respectivos cabos?
E a pergunta verdadeiramente importante: que benefício retirou o Concelho de Sesimbra perante o facto de ter, há mais de 50 anos, uma Estação de Cabos Submarinos (e respectivas infraestruturas e condutas), localizada no coração da Vila sede de Concelho?
É porque se este é um dos principais (se não o principal) argumentos que sustentam a instalação de um novo cabo submarino (que ligará o continente europeu ao continente africano, unindo a Praia da Califórnia à África do Sul), parece-me que os mesmos deveriam ter sido mais e melhor sustentados, nomeadamente por parte daqueles que gerem o território municipal. E porquê? Porque a obrigatoriedade do Município ter de declarar de “Interesse Municipal” este novo cabo submarino, para que o mesmo pudesse vir a ser efectivamente consolidado, pressupõe, digo eu, que de facto existe “Interesse Municipal” na passagem dessa declaração.
Fui então ler os documentos que estiveram em consulta pública. E estou mais do que arrependida. Deveria ter continuado sem dar grande atenção ao assunto. Porque em nenhum dos documentos disponibilizados são referenciados os impactos ambientais, económicos e sociais que esta operação provocará na Vila e no Concelho de Sesimbra.
E perante a minha primeira pergunta sobre se os cabos desactivados teriam sido retirados do fundo do oceano e da praia, o Anexo III (que integra os documentos disponibilizados para consulta pública) refere que será efectuada uma limpeza ao longo de todo o percurso do novo cabo submarino. Essa limpeza consiste e cito “na remoção de cabos que já não estão em uso” nomeadamente nas áreas que serão atravessadas pelo novo cabo submarino. E esclarece que será removido apenas o “trecho adequado para garantir uma passagem segura” do novo cabo. E se porventura existirem outros detritos na rota definida, também serão retirados (ou afastados?). Quer isto dizer que o fundo do oceano e a Praia da Califórnia está cheia de cabos e vai continuar a estar se a existência destes, não colidir em nada com a instalação do novo cabo. E o mesmo Anexo III até refere quais serão, eventualmente, os troços de cabos existentes e desactivados que poderão vir a ser retirados parcialmente: o SAT (1969), o CAM 1 (1972), o UK-POR (1969) e o EURAFRICA (1992). Fantástico.
Para se ter uma ideia, no Anexo II que descreve os trabalhos a realizar, são definidas as “MELHORES PRÁTICAS EM GESTÃO E MEDIDAS DE MITIGAÇÃO” que referem (apenas) que a instalação irá realizar “o mínimo de perturbação nas infraestruturas existentes e recursos marinhos e costeiros”. No mesmo Anexo II, são identificados os “IMPACTOS SOCIO AMBIENTAIS” e, em apenas dois parágrafos, refere que a instalação do cabo, “em relação ao uso do solo, poderá potencialmente acarretar impacto, embora restrito, e decorrente unicamente da perturbação local devido à execução dos trabalhos”, estimando que esse impacto será “temporário, pouco significativo, de baixa magnitude e de dimensão local”. No segundo parágrafo, afirma ainda que “a presença do cabo e das estruturas associadas terão um impacto nulo no uso do solo e ordenamento do território, dada a muito reduzida expressão territorial do mesmo”.
Ora o cabo submarino irá ser instalado na Praia da Califórnia, em cima da abertura da época balnear. Não me parece que o impacto dessa instalação seja “temporário, pouco significativo, de baixa magnitude e de dimensão local”. Até porque no Anexo III são enumerados os “DETALHES DA OPERAÇÃO”, referindo que a mesma será realizada durante o dia e estará condicionada pelas marés, correntes e ondas. E no item “CRONOGRAMA DE INSTALAÇÃO”, eram estimados seis meses para a realização dos trabalhos (o 1º. semestre de 2021) avançando que, todos os equipamentos pesados e necessários serão “mobilizados para a área de praia” sendo que será efectuado o “isolamento do local de trabalho” e providenciada “segurança locais conforme necessário”. Já o Anexo IV define os PLANOS E DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA referindo que, na praia, serão utilizadas escavadoras que utilizarão substâncias inflamáveis (combustível diesel).
Ou seja, a Praia da Califórnia irá ser ocupada por equipamentos pesados, ficando vedada e vigiada. Melhor explicando: a Praia da Califórnia não terá uso balnear e estará vedada e vigiada (por um período de tempo que não está definido e que, segundo a cronologia até pode durar seis meses) sendo que o andamento e rapidez da execução dos trabalhos dependerá das marés, das correntes e das ondas do mar (e que podem atrasar o que estará definido cronologicamente; aliás, já atrasou: decorreu uma cerimónia de celebração da chegada do cabo submarino a Portugal, mas o cabo esse, nem vê-lo!, talvez para a semana).
Desconhecesse-se que área de praia (em metros quadrados) estará integrada na área de vedação. Acresce que, o equipamento pesado terá de chegar à Praia da Califórnia, nomeadamente, as escavadoras. Ora assim de repente, a única maneira de uma escavadora chegar à Praia da Califórnia será através da rampa de acesso à praia localizada em frente do “cabeleireiro Eurico”. O que pressupõe que, durante essas entradas e saídas, a praia terá de ter um corredor de acesso para maquinaria pesada, entre a zona de toldos e a beira-mar (e apenas se a maré estiver vazia, porque se estiver cheia, a maquinaria terá de passar por entre os toldos). Sem dúvida nenhuma que o impacto desta obra será “temporário, pouco significativo, de baixa magnitude e de dimensão local” (estou a ironizar). E em nada complicará o turismo e as actividades económicas da Vila de Sesimbra.
Mas há mais. Se estas são implicações directas na praia, o Parque Marinho Professor Luiz Saldanha, que se estende desde Setúbal até ao Cabo Espichel (sendo que a área de maior restrição e protecção é exactamente ao largo da Praia da Califórnia), irá sofrer uma limpeza radical (ao longo do troço onde será instalado o cabo submarino), com a ajuda de uma fateixa que removerá tudo o que impedir a passagem limpa e desimpedida do cabo. Acresce que, até aos 1500 metros de profundidade, o cabo submarino será enterrado no fundo do oceano, a uma profundidade de 1 metro.
Pasme-se: em nenhum documento disponibilizado na consulta pública, surge a referência ao Parque Marinho Professor Luiz Saldanha. Nenhum documento aborda o impacto destrutivo que esta acção terá no fundo marinho, na vida oceânica, nem tão pouco avança com algum tipo de medida que vise amenizar os danos que serão causados. Mais: o Parque Marinho Professor Luiz Saldanha é como se nem sequer existisse. Inacreditável. E mais: não existe nenhum parecer ou preocupação manifestada por exemplo, pelo ICNF, pelo Parque Natural da Arrábida, pela APA. Nada. Nem uma palavra.
Pasme-se com a deliberação de Câmara de 9 de Junho de 2021 (LINK– ponto 5 da página 6), por unanimidade, que propôs à Assembleia Municipal a emissão de “Declaração de Interesse Municipal” e da qual transcrevo apenas o penúltimo parágrafo: “A Câmara Municipal de Sesimbra já se pronunciou no âmbito do procedimento de sujeição a Avaliação Ambiental Estratégica, no sentido de “não considerar, no quadro das suas competências, que o projeto seja suscetível de provocar impactes significativos no ambiente …”.
Nem sei que diga. Talvez perguntar: sobre que raio de “Avaliação Ambiental Estratégica” a Câmara Municipal se terá pronunciado? É que essa “Avaliação Ambiental Estratégica” para a consolidação do cabo submarino, se existe, é secreta e confidencial. O que é, no mínimo, estranho dado que o Edital emitido em Dezembro de 2020 pela Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), determinava a consulta pública sobre o pedido de TUPEM (Titulo de Utilização Privativa de Espaço Marítimo), convidando todos os interessados para, querendo, requerer o TUPEM para si ou, apresentar objecções à atribuição do mesmo. Ora do TUPEM, não consta qualquer tipo de documento identificado como “Avaliação Ambiental Estratégica”.
E pasme-se: a Câmara considera que (e cito novamente a reunião de Câmara de 9 de Junho de 2021), “o traçado proposto é compatível com os usos previsto no Plano Diretor Municipal de Sesimbra.” O PDM não refere num único artigo, a existência de cabos submarinos na Praia da Califórnia e na Praia do Meco. Refere a existência do Rádio-Farol VOR-Cabo Espichel; do Feixe Hertziano Facho-Palmela; dos Dispositivos de Sinalização Marítima; do Centro Receptor de COMIBERLANT e da Estação de Comunicações por Satélites Ibérica que lhe é adstrita - Medos de Albufeira; do Depósito de Munições da NATO - Apostiça; dos Marcos Geodésicos. Sobre os cabos submarinos, nem uma única palavra. De que maneira será o traçado proposto compatível com os usos previstos no PDM de Sesimbra se os mesmos nem sequer existem no PDM de Sesimbra?
A Assembleia Municipal de Sesimbra deliberou, também por unanimidade, a 25 de Junho de 2021, e sob proposta da Câmara Municipal, emitir a “Declaração de Interesse Municipal”. Mas qual “Interesse Municipal”? E confesso, não assisti nem à reunião de Câmara nem à Assembleia Municipal pelo que, eventualmente, o “Interesse Municipal” terá sido explicado.
No entanto, permitam-me desde já enumerar pelo menos dois fundamentos relevantes (de longa duração) de “Desinteresse Municipal”:
- Todos os cabos submarinos existentes e desactivados (lixo) continuarão a poluir as areias da praia e o fundo do oceano.
- O Parque Marinho Luiz Saldanha ficará destruído, numa linha continua que será aberta com pelo menos um metro de profundidade e removerá tudo o que possa impedir a passagem do cabo submarino.
E também, dois fundamentos relevantes (de curta duração) de “Desinteresse Municipal”:
- A Praia da Califórnia a dias do início da época balnear, não terá uso balnear e estará vedada e vigiada (por um período de tempo indeterminado, dependente de marés, correntes e ondas).
- Está prevista a circulação de maquinaria pesada na área de praia, provocando obviamente, um corredor de segurança (e por isso interdito ao uso balnear) entre os toldos e a beira-mar.
E o “Interesse Nacional”? Diz o Primeiro-Ministro (na cerimónia de celebração da chegada do cabo submarino a Portugal e que afinal, ainda não chegou), que “a transição digital é a primeira grande revolução industrial em que Portugal parte num excelente ponto”, referindo também que "as exportações podem aumentar até 8% quando se duplica o número de cabos de internet” e que o potencial impacto será de “500 milhões de euros anuais no PIB” nacional.
Atente-se naquilo que é descrito no Anexo I dos documentos disponibilizados para consulta pública, e que refere o cabo submarino na Praia da Califórnia como tendo “um impacte positivo muito relevante para a economia nacional”. A saber:
Impactos directos:
- “Criará valor económico através de um conjunto de serviços que lhe serão prestados por empresas nacionais para terminar o cabo na estação de cabos submarinos, nomeadamente, serviços de alojamento de cabos e equipamentos, fibra ótica, operação e manutenção e consultoria.”
- “Potenciará a rentabilização dos investimentos efetuados nas estações de cabos submarinos e redes de fibra ótica associadas.”
- “Gerará valor económico nas Carrier House e Data Center nacionais, através da contratação de serviços vários, nomeadamente, alojamento e interligação.”
Efeitos económicos indirectos:
- “Aumentará a atratividade económica para que outros sistemas de cabos submarinos terminem também em Portugal.”
- “Haverá muito interesse por parte de Operadores com redes terrestres de elevada capacidade.”
Efeitos económicos potenciais:
- “Contribuirá para a criação de infraestruturas em território nacional que poderão ser utilizadas para suportar investimentos estruturantes como são os Data Centers – centros de alojamento, tratamento e processamento de dados."
- “Fortíssimo impacte positivo na economia nacional e na criação de emprego qualificado e tecnológico, nomeadamente, nas áreas de engenharia, informática e matemática.”
Se o “Interesse Nacional” será evidente, onde fica o “Interesse Municipal”? Em que medida o acréscimo de “500 milhões de euros anuais no PIB” nacional se reflectirá no Concelho de Sesimbra? Será Sesimbra atractiva para receber algum tipo de investidor, nomeadamente de operadores de processamento e tratamento de dados? Irá Sesimbra conseguir criar emprego qualificado e tecnológico? Será que alguma empresa (por exemplo a Google) escolherá Sesimbra para instalar algum tipo de infraestrutura como por exemplo um Data Center ou uma Carrier House?
Será que é este o “Interesse Municipal” que estará escondido e guardado a sete chaves naquela que deverá ser a estratégia de desenvolvimento económico e tecnológico do Concelho, e que estará plasmada na proposta de Revisão do PDM de Sesimbra? Relembro que o executivo municipal afirmou que a Revisão do PDM de Sesimbra é “um documento estratégico de excelência” e que, “tudo está no PDM”. Aguardemos pelo próximo mandato porque, até lá, nem Revisão do PDM nem estratégia de desenvolvimento económico e tecnológico. É pena. Sesimbra carece há muito tempo de uma estratégia. E a falta de estratégia leva-a a andar a “toque de caixa” dos financiamentos, das vontades dos investidores privados e no caso, da necessidade de um operador tecnológico deter uma “Declaração de Interesse Municipal” sobre um cabo submarino que pretende fazer chegar e ligar à Praia da Califórnia, para poder solicitar um Titulo de Utilização Privativa de Espaço Marítimo (TUPEM).
E infelizmente, a deliberação de Câmara comprova esta verdade: em nenhum momento é referido o “Interesse Municipal” nem que tipo de benefício terá Sesimbra com este cabo submarino. Aliás, é dito que, e cito “a apreciação do interesse municipal não pode, no caso concreto, ser desligada da relevância da instalação”, sendo que “o Município de Sesimbra deve contribuir para o cumprimento do desígnio nacional de afirmar Portugal no mundo no âmbito da conetividade digital” tendo em vista a “concretização da política e estratégia nacional no domínio da digitalização e da conetividade digital.”
E não conseguindo identificar um único factor de “Interesse Municipal” que sustentasse de facto, a declaração emitida, confirma a ausência do que quer que seja de estratégia concelhia relativamente a esta matéria (e a tantas, tantas outras).
No entanto, e apesar de não existir qualquer estratégia, poderia e deveria ter existido negociação com o estado português, com a Google e com a empresa MEO: “proprietária e entidade gestora da Estação de Cabos Submarinos de Sesimbra”. Sesimbra não manifestou qualquer tipo de dúvida, vontade, interesse? Não apresentou nenhuma proposta de contrapartida perante o facto de ter de emitir uma declaração de “Interesse Municipal” para que o TUPEM fosse viabilizado e a Google pudesse concretizar a operação?
É Sesimbra que vai ficar com lixo de décadas, enterrado na praia e no fundo do oceano. É Sesimbra que, depois de todas as proibições impostas à pesca e aos pescadores (decorrentes da delimitação do Parque Marinho), verá este ser destruído, em nome do interesse nacional e esquecendo mais uma vez, aqueles que são a alma sesimbrense: os pescadores. É Sesimbra que irá ter o inicio da época balnear condicionada, depois de dois anos de pandemia e em que todas as actividades económicas precisam do impulso do verão e do turismo.
Importa destacar que o cabo submarino que ligará a Praia da Califórnia à África do Sul, corresponde a fibra óptica com uma velocidade de internet 20 vezes superior à actualmente existente. Diz o Primeiro-Ministro que ligámos o mundo com caravelas, depois pelo ar e agora, através de um clic no computador. Um clic que será 20 vezes mais rápido que o agora existente.
E o interesse principal é da Google. Qual era o problema de Sesimbra negociar com a Google um compromisso para que, num futuro próximo, a Google consolidasse no Concelho uma qualquer estrutura da empresa, potenciando emprego tecnológico e qualificado? Mais: a instalação do cabo submarino desde a África do Sul até à Praia da Califórnia (numa extensão de 15 mil kms) é totalmente financiada pela Google (através da empresa irlandesa Blue Path Technology Unlimited). Imagina-se portanto o valor deste investimento e aqueles que serão os lucros inerentes ao mesmo. Não deveria Sesimbra ter, por exemplo, negociado uma parceria que visasse implementar desde logo em todo o Concelho de Sesimbra, a rede de fibra óptica 20 vezes mais rápida?
A representante da Google é a MEO, que detém e gere a Estação de Cabos Submarinos de Sesimbra. Qual era o problema de Sesimbra negociar com a MEO um compromisso para que a Vila de Sesimbra fosse tecnologicamente eficiente, anulando todos os cabos aéreos que invadem fachadas, varandas e trespassam os céus, colocando fibra óptica numa estrutura enterrada e garantindo simultaneamente, uma rede Wi-Fi em todos os espaços públicos? Mais: a MEO irá também executar (e cito novamente o Anexo II disponibilizado na consulta pública) “os serviços de transporte terrestre em fibra ótica desde a Estação de Cabos Submarinos de Sesimbra até a uma Carrier House localizada em Lisboa”. Não deveria Sesimbra ter, por exemplo, negociado um compromisso para que, num futuro próximo, a MEO consolidasse no Concelho uma Carrier House que distribuísse a fibra óptica a toda a Península de Setúbal?
Até arrisco perguntar: daqui por quantas décadas, chegará a Sesimbra (que por “Interesse Municipal” viabiliza a instalação do cabo submarino) uma rede de internet de fibra óptica 20 vezes mais rápida? É a Sesimbra que a fibra óptica chega. É de Sesimbra que seguirá para o resto do país. Daqui por quantas décadas chegará a fibra óptica 20 vezes mais rápida de facto, a Sesimbra?
E perante o “Interesse Nacional”, o estado português acarinha a iniciativa da Google, que assume os custos de toda a operação, e vem a Sesimbra comemorar esta “ponte do século XXI”, porque é em Sesimbra que a Google, através da MEO, detém e gere uma Estação de Cabos Submarinos. Ora aproveitando esta feliz coincidência, não deveria Sesimbra ter negociado com o estado português, por exemplo, a execução (no âmbito do PRR) da variante ao Porto de Abrigo? Reparem: a consulta pública sobre o PRR data de Fevereiro de 2021; a deliberação de Câmara sobre a declaração de “Interesse Municipal” é de 9 de Junho de 2021; e a aprovação em Assembleia Municipal é de 25 de Junho de 2021. O calendário foi favorável e completamente perdido.
Dirão: uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. Mas neste caso concreto, em que Sesimbra irá continuar à deriva, agarrada apenas com uma mão ao PDM em vigor, esticando a outra mão aos financiamentos que surgirem, sorrindo para todo o tipo de promotor privado e olhando para a Revisão do PDM que paira no ar em segredo e que será, não se sabe quando (talvez durante o próximo mandato) um “documento estratégico de excelência”, teria sido a altura certa de firmar os pés no chão e garantir uma resolução de matérias estruturais e que se irão continuar a repetir apenas nas agendas politicas locais das próximas décadas.
Que bom seria se apenas 0,01% do potencial impacto de “500 milhões de euros anuais no PIB” nacional fosse consolidado no Concelho de Sesimbra. Mas para isso, é preciso estratégia. É preciso criar atractividade fiscal. É preciso uma ligação rodoviária de forma rápida e eficaz à capital do país. É preciso uma rede viária interna, reparada e funcional. É preciso uma rede pedonal e eléctrica eficaz. É preciso internet em todo o lado (20 vezes mais rápida). São precisos serviços diversificados e de qualidade. São precisos mais espaços verdes. São precisos espaços multidisciplinares. É preciso habitação. É preciso saúde. É preciso tanta coisa!
É preciso um salão nobre para receber as pessoas dignamente (que não numa tenda estreita e apertada). Porque é que não transferem para o antigo Ciclo os poucos serviços que ainda funcionam no edifício da Câmara? E libertavam os Paços do Concelho apenas para a Presidência, Vereação e serviços de apoio. E nessa restruturação, consolidavam um salão nobre, como em qualquer Câmara deste país, que pudesse receber com dignidade e elegância quem tivesse de ser recebido; e onde pudessem funcionar as reuniões de Câmara e qualquer tipo de acto solene. Fica a ideia.
Quanto ao cabo submarino, chegará à Praia da Califórnia, em principio, na próxima segunda-feira dia 23 de Maio, e estará em funcionamento (se tudo correr bem) no final deste ano. O contrato de concessão à MEO (que é ALTICE e que é GOOGLE) durará 25 anos.
Ou seja, tudo indica que antes do ano de 2047, Sesimbra será contemplada de facto, com a rede de fibra óptica 20 vezes mais rápida. Aguardemos.
Termino com a pergunta inicial: que benefício retirou o Concelho de Sesimbra perante o facto de ter, há mais de 50 anos, uma Estação de Cabos Submarinos (e respectivas infraestruturas e condutas), localizada no coração da Vila sede de Concelho?
E que benefícios irá retirar agora, com a instalação deste novo cabo submarino? A resposta é simples e clara: “tudo está no PDM!” Porque a Revisão do PDM de Sesimbra é “um documento estratégico de excelência”!
Comentários
Enviar um comentário