“CONSERVAR O SÃO, E PRESERVÁ-LO, PARA QUE SE NÃO CORROMPA”
Portugal é de facto um país extraordinário. Terá porventura uma das melhores democracias do mundo. E não digo isto ironicamente. Digo-o convictamente. E porquê? Porque só um país como Portugal, na sua democracia em liberdade e em respeito pela dignidade humana, permite de facto a existência de posições políticas ou partidárias diferentes e diferenciadas, extremistas e conservadoras, integrando e admitindo até, todas as opiniões e manifestações que são contrárias a esses mesmos valores democráticos conquistados (em liberdade e em respeito pela dignidade humana).
A frase que dá título a este post, não é minha. Faz parte de um sermão pregado pelo Padre António Vieira em 1654, quando pregava aos seus ouvintes o conteúdo daquele que foi o sermão de Santo António aos peixes. E numa analogia magistral entre peixes e homens, atribuindo as propriedades do sal aos pregadores na terra, revela duas das propriedades do sal que devem estar presentes em qualquer pregador da terra: “conservar o são, e preservá-lo, para que se não corrompa”. Ou seja, das duas propriedades, “uma é louvar o bem, outra repreender o mal; louvar o bem para o conservar, e repreender o mal para o preservar dele”. Porque, “onde há bons e maus, há que louvar e que repreender”.
Talvez esta explicação tenha integrado os conceitos educacionais de gerações e gerações: em que os pais repreendem os filhos quando se portam mal e, enaltecem os mesmos filhos quando se portam bem. Porque para educar e transmitir valores (de liberdade e de respeito pela dignidade humana, entre outros), é necessário repreender o que está mal e, enaltecer o que está bem. Para que a democracia não se perca por falta de repreensão daqueles que tendo esse dever e obrigação, preferem escudar-se na liberdade de opiniões que são próprias dos regimes democráticos, esquecendo ou querendo esquecer, que essa falta de repreensão que visa preservar o estado democrático, conduzirá ao louvar de conceitos que deveriam, à nascença, ter sido repreendidos e que, crescendo, põem em causa esses mesmos regimes democráticos (em liberdade e em respeito pela dignidade humana).
Ou escudando-se em argumentos fúteis e desconexos, de que repreender em democracia, significa oprimir e excluir; ou que repreender é uma característica dos estados autoritários e ditatoriais que impõem aos seus contrários a sua ideologia.
Há que “conservar o são, e preservá-lo, para que se não corrompa”. Para que episódios como a invasão do Capitólio, liderada por seres indescritíveis, vestidos de bisonte, em nome de uma opinião anti-democrática, seja repreendida à nascença; para que a mesma não se multiplique indefinidamente pelo mundo, corrompendo os valores democráticos, estragando e aniquilando um mundo que se quer cada vez mais livre, justo, igual e humanitário. E na conquista deste mundo cada vez mais livre, justo, igual e humanitário, cabe aos democratas zelar e louvar, repreendendo o que tem de ser repreendido.
E não, não se trata de excluir ou marginalizar opiniões contrárias. Trata-se isso sim, de não permitir a destruição de um regime democrático que até permite, atitudes anti-democráticas que crescem e se multiplicam por todo o lado, inflamadas e disseminadas pelas redes sociais como verdades absolutas, perante os mais insatisfeitos (não com estado democrático). E cabe isso sim, no caso português, aos quatro partidos basilares da democracia, enaltecer os valores democráticos e repreender os valores anti-democráticos.
O sal tem de facto essas duas propriedades: conservar e preservar. E apesar das palavras do Padre António Vieira terem mais de 350 anos, partilho parcialmente algumas palavras desse sermão, (infelizmente, retrata muito do que vamos vendo e ouvindo em pleno século XXI), questionando se existem tantos que têm ofício de sal (conservar e preservar) porque é que não é visível o efeito do sal no mundo, nos homens, na terra, na vida dos seres humanos?
“(…) Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra não se deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhe dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra, ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem que fazer o que dizem; ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si (…), ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir, (…), servem os seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal. (…)”
Que sejam, não os pregadores, mas os homens com valores (como a liberdade e o respeito pela dignidade humana), o sal da terra: conservando e preservando. E repreendendo o que tem de ser repreendido. Para que a democracia não seja moldada (integrando valores anti-democráticos) no sentido de preservar apenas pregadores (decanos e oportunistas de ocasião), consolidando uma hegemonia que serve apenas, nas palavras do Padre António Vieira “os seus apetites”.
E “se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer é lança-lo fora como inútil (…).” Seguindo o apelo de Jerónimo de Sousa para a "dinamização da luta de massas". E, a cada acto eleitoral, votar. No garante da democracia, da liberdade e da dignidade humana.
FONTE DA IMAGEM: e-konomista.pt
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