APELO À “DINAMIZAÇÃO DA LUTA DE MASSAS”

Depois da reunião de ontem, Jerónimo de Sousa dirigiu-se hoje de manhã ao país, prestando uma declaração que, resumidamente e perante a maioria absoluta alcançada pelo PS (e ao crescimento do Chega), apela à “dinamização da luta de massas”. E porquê? Porque o grupo parlamentar do PCP ficou reduzido a 6 elementos e a sua força dentro do Parlamento não será o que já foi (e que terminou com o chumbo do orçamento de estado para 2022). E assim, é necessário voltar à rua, agregar o povo e os trabalhadores e promover a luta! Para que o poder da sociedade civil, das “massas”, consiga fazer-se ouvir no parlamento de maioria socialista e de uma direita desfeita (que deixou crescer a sua extrema).

Aparentemente, e ao contrário do PSD (que sendo o maior partido da oposição, se vê derrotado e a ter de fazer oposição durante quatro anos, a um governo maioritário do PS, com um líder (que parece continuar a ser, pelo menos para já, Rui Rio) que terá acima de tudo, um papel extremamente difícil, inglório e ingrato), o PCP já definiu claramente a estratégia para exercer oposição: na rua, em comícios e manifestações, ao lado do povo e dos trabalhadores, defendendo os interesses do país e do povo e, os direitos dos trabalhadores. Coerente e completamente consolidada naquela que é a génese do PCP. Na declaração que prestou, Jerónimo de Sousa referiu também os diferentes temas que irão fazer parte da “dinamização da luta de massas”, como por exemplo a especulação imobiliária, em detrimento da habitação pública ou, o desenvolvimento sustentável e o impacto das alterações climáticas.

E é por tudo isto que o PCP vai para a rua, com o povo, para que as diferentes vozes sejam ouvidas, no garante efectivo do “pluralismo de expressão e organização política democráticas”, no garante “na separação e interdependência de poderes”, na ambição da consolidação de uma “democracia participativa”, tal como estipula a Constituição da República Portuguesa. Porque “o povo é quem mais ordena”, dado que a soberania do estado português, “una e indivisível, reside no povo.”

Mas também nos caberá a nós, cidadãos comuns, povo soberano, garantir esse pluralismo de expressões, essa separação e interdependência de poderes, participando activamente na democracia. Não permitindo que, depois de um acto eleitoral, os valores sejam subvertidos ou alterados em nome apenas dos interesses pessoais, políticos ou partidários de quem, eleito pelo povo, se julga dono da verdade e da razão. Mesmo que essa ilusão seja até dada através de uma maioria absoluta.

Mas Jerónimo de Sousa ainda disse mais: não será com o voto do PCP que o Chega conseguirá eleger um vice-presidente para a Assembleia da República. E eu acrescento: não será com o voto do PCP que, se de repente algum dos deputados eleitos pelo Chega se tornar independente, será eleito como vice-presidente da Assembleia da República. Porquê? Porque em determinado momento, cidadãos comuns das mais diversas origens, identificaram-se com os valores (?) do Chega, sendo por isso, candidatos pelo Chega e eleitos pelo Chega. E Jerónimo de Sousa tem a linha vermelha bem marcada. Até porque jamais os valores do PCP se coadunariam com os valores (?) do Chega. Jamais um cidadão comum se enganaria na altura de escolher entre PCP e Chega para ser candidato ao que quer que fosse. A linha que os separa é enorme e intransponível. E até admito que os cidadãos comuns se possam enganar… entre PCP e BE… e até PS. Agora entre PCP e Chega? Jamais.

Um político eleito não é um treinador de futebol: treina o Sporting mas o clube de coração é o Benfica. E até é simples de explicar a diferença: ser treinador de futebol é uma profissão; ser político não é uma profissão, é uma opção. Um treinador de futebol exerce a sua profissão no clube que o contratar (e até pode, se quiser, abraçar a política). Um político (que tem uma profissão) pertence a um partido com o qual se identifica, defendendo a sua ideologia e valores, se por um acaso for eleito para desempenhar um qualquer cargo. Mais: um político eleito por um partido, pode até nem ser militante mas apenas simpatizante ou independente. E sendo simpatizante ou independente, identificar-se-á com a ideologia e com os valores defendidos pelo partido pelo qual assumiu candidatar-se. E se deixar a política, regressará à sua profissão porque, ser político não é uma profissão. É uma opção, uma entrega à causa pública (em detrimento da profissão). E claro, existem sempre cidadãos comuns que vão trocando de camisola conforme dá jeito (e existem vários exemplos nacionais) mas, cabe mais uma vez ao povo, que é soberano, separar “o trigo do joio.”

Confesso que enquanto ouvia Jerónimo de Sousa me deu vontade de rir. Porque tudo o que disse é difícil de encaixar na realidade sesimbrense. Em especial o factor “maioria absoluta” que foi perdida nas últimas eleições autárquicas e que aparentemente voltará a estar assegurada pelo independente ex-candidato e ex-eleito pelo Chega e que, sustentou a sua candidatura na “necessidade premente de ser alternativa a um executivo camarário, gasto nas suas ações e intervenção pública junto das gentes da nossa terra, com governação alternada entre CDU e PS, desde o 25 de Abril de 1974” (aparentemente assumindo desde logo que alianças e acordos com PCP ou PS estariam excluídos). A verdade é que, passados 4 meses, “a alternativa a um executivo camarário, gasto nas suas ações”, tornou-se independente, integrada na “gestão partilhada” e acarinhada pela CDU.

Diz o povo, que é soberano, que “tudo muda.” E dizia o poeta “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.” E o que restará fazer: um apelo à “dinamização da luta de massas”. Promovido por quem? Pelo PS sesimbrense. É tempo de ir para a rua, contra uma maioria que foi perdida em Setembro de 2021. Dos 19.336 sesimbrenses que foram votar em Setembro nas eleições autárquicas, apenas 6.214 votaram na CDU para a Assembleia Municipal (ou seja, menos de 1/3 dos sesimbrenses que votaram, votaram na CDU). O PS foi a segunda força mais votada com uma diferença de apenas 310 votos. Para a Câmara Municipal, CDU e PS elegeram o mesmo número de vereadores: 3. 

Tal como Jerónimo de Sousa (e apesar do PCP nacional ter tido o pior resultado de sempre em eleições legislativas), o PS sesimbrense (que foi o segundo partido mais votado nas autárquicas e agora, o mais votado nas legislativas) deveria agir e reagir, fazendo oposição firme na Assembleia Municipal (perante o conjunto de importantíssimas deliberações que se avizinham) e discutindo as propostas presentes em reunião de Câmara, uma a uma, explicando-as e explicando o sentido de voto (que não apenas numa justificação ou declaração de voto que fica arquivada e guardada numa qualquer pasta de armário). Na senda da frase de campanha “Sesimbra vai mudar” e na promessa que abria o programa eleitoral dizendo que as medidas propostas visavam “alcançar um novo ciclo para o nosso Concelho, assente em áreas estratégicas, que permitam uma mudança efetiva e uma aproximação dos decisores políticos aos cidadãos”. 

Sesimbra é agora!” Porque Sesimbra mudou de facto no dia 26 de Setembro de 2021, retirando maiorias absolutas (na Assembleia Municipal e Câmara Municipal) e que tantas questões levantam, nomeadamente a Jerónimo de Sousa perante o bom funcionamento da democracia. 

Pergunto-me se Jerónimo de Sousa será conhecedor da realidade sesimbrense. Saberá Jerónimo de Sousa que (ao que parece), se prepara para acontecer uma geringonça entre o PCP e o ex-candidato e ex-eleito pelo Chega?, desviando do caminho da “gestão partilhada” (mas em “maioria absoluta”) o parceiro que esse sim, é de esquerda? Talvez lhe envie uma carta, explicando e solicitando a sua ajuda para esclarecer o que raio se está a passar naquela que, de acordo com um episódio que Pedro Martins relatou num artigo de opinião é, para o PCP, “a pior Câmara que temos”.

E talvez venha a escrever também a António Costa. E à líder da bancada parlamentar do PS e à nova (ao que tudo indica) Presidente da Assembleia da República. Pelo menos eu, enquanto cidadã comum, gostaria de perceber o que raio faz o PS sesimbrense agarrado a uma “gestão partilhada” na qual não tem, nem vai ter, qualquer tipo de autonomia, ficando refém das vontades de um ex-candidato e ex-eleito pelo Chega.

E não, não vou sequer mencionar o ocorrido na última reunião de Câmara sobre uma proposta do PS, que foi retirada (depois de grande indignação por parte dos restantes vereadores) e que passou a “recomendação”, acabando por ser aprovada por unanimidade. A mim o que me espanta é, perante a indignação, porque é que a maioria indignada não votou contra? Lá está, porque é a tal “gestão partilhada” a que o PS deve obedecer: antes de propor, apresenta e debate à porta fechada com o PCP, para ver se a proposta colhe; se sim, pode apresentar a proposta à Câmara; se não, rasga a proposta, enfia-a no caixote do lixo e é como se a mesma nunca tivesse existido. Desde quando é que um vereador opina ou propõe o que quer que seja sobre um pelouro que não é seu? Era só o que faltava!

Ai Jerónimo Jerónimo, se isto algum dia acontecesse na Assembleia da República nem sei o que é que o PCP faria! 

Imagine-se: o grupo parlamentar do PCP ao invés de apresentar uma qualquer proposta de lei para discussão no parlamento (ou nas comissões parlamentares) primeiro, apresentava essa mesma proposta ao PS. Debatiam à porta fechada e se, o PS concordasse e aceitasse a proposta apresentada, permitiria que a mesma fosse discutida no Parlamento (podendo até ser reprovada). Mas, se o PS não concordasse e não aceitasse a proposta apresentada, o PCP rasgava a proposta, enfiava-a no caixote do lixo e seria como se a mesma nunca tivesse existido. Sendo que o Parlamento nunca sequer a discutiria (mesmo podendo reprová-la). Desde quando é que o PCP opina e propõe o que quer que seja sobre matérias que são tuteladas por um Ministro e um Secretário de Estado? Era só o que faltava!

Que belo exemplo seria do funcionamento do estado de direito democrático e do “pluralismo de expressão e organização política democráticas”. 

Seria um estado de direito democrático refém de uma “maioria absoluta”, ditatorial e autoritária. Aquela que Jerónimo de Sousa e o PCP irão combater nas ruas, com o povo.

Sesimbra é de facto, um caso sui generis.  


FONTE DA IMAGEM: fotografia tirada à televisão (TVI)

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