LAGOA DE ALBUFEIRA: A SAGA CONTINUA
A pouco mais de dois meses do equinócio da Primavera e, a pouco mais de cinco meses do início da época balnear, atente-se naquela que foi a informação transmitida na última sessão da Assembleia Municipal (dia 28 de Dezembro de 2021) sobre a Lagoa de Albufeira e que transcrevo textualmente:
“Não está previsto nenhum desassoreamento. (…) A abertura da Lagoa de Albufeira ao mar que ainda terá de ser sujeita a novo, a novo contrato inter-administrativo com a Agência Portuguesa do Ambiente porque também não o temos para 2022”.
Explicando melhor: Não está assegurada a abertura da lagoa ao oceano porque não existe acordo com a APA para 2022. Fantástico. Absolutamente fantástico. E a leveza com que é feita esta afirmação e, a indiferença por parte de todos os que a ouvem, ainda é mais fantástica.
E o desassoreamento está completamente fora de questão. Até porque a APA está (e transcrevo) “a finalizar o estudo de impacto ambiental” (relativamente à solução proposta para a abertura de um canal de ligação mais profundo), sendo que esse estudo de impacto ambiental (e transcrevo) “terá que ir para avaliação de impacto ambiental” ou seja, terá de ser sujeito a consulta pública para que os cidadãos comuns possam apresentar contributos. Estamos em Janeiro. A consulta pública não serão menos de 20 dias (digo eu). Depois, seguir-se-á a análise dos contributos dos cidadãos comuns, a elaboração do respectivo relatório de ponderação e finalmente, a aprovação (ou não) do respectivo estudo de impacto ambiental. Este período pode corresponder a menos de uma semana ou, a mais de um ano ou até, por tempo indeterminado (não seria inédito; o Plano de Gestão da ZEC Arrábida/Espichel esteve em consulta pública entre Maio e Julho de 2020 e, recentemente, foi sujeito a nova consulta pública – que terminou no dia 12 de Novembro de 2021 – sendo que até hoje, não houve relatório de ponderação sobre os contributos dos cidadãos comuns nem, a respectiva aprovação do mesmo).
Resumindo, ninguém saberá quando estará aprovado o estudo de impacto ambiental que apresentará uma solução que vise garantir um canal de ligação entre a Lagoa de Albufeira e o mar. Até lá, a saga repetir-se-á de ano para ano, com justificações baseadas nas competências da APA e da CMS e que, hipoteticamente, irão justificando o atraso na abertura e o crescente assoreamento da área líquida lagunar.
Infelizmente, o assunto “Lagoa” morreu de facto com o fim da época balnear. E só irá renascer com o início da próxima época balnear, quando a opinião pública invadir (entre outros) as redes sociais. Entre este intervalo de cerca de nove meses (Setembro a Junho) a Lagoa de Albufeira foi um “não-assunto”. Não vou repetir-me relativamente ao que já escrevi e partilhei sobre a Lagoa de Albufeira.
Vou apenas apelar mais uma vez a que os políticos eleitos vistam de facto a camisola da Lagoa de Albufeira, durante todo o ano. Aquelas que irão ser, a partir de Março, as posições políticas e partidárias, as justificações, as indignações, as moções e recomendações, devem ser transformadas em acções diárias: na AML, na Região de Turismo de Lisboa, na Associação de Municípios, na ADREPES (onde Sesimbra está representada). Aproveitando até muitos dos argumentos utilizados por exemplo pela ADREPES, na recente abertura de um AVISO específico para Sesimbra (entenda-se Câmara Municipal) que visa a “preservação, conservação e valorização dos elementos patrimoniais e dos recursos naturais e paisagísticos”.
Transcrevo duas frases desse Aviso: “Entre os anos 70/80 do século passado, teve inicio a produção de mexilhões (miticultura), em jangadas flutuantes com cordas suspensas, na Lagoa de Albufeira. Trata-se de uma produção de elevada densidade que importa ordenar por forma a que os produtos retirem o usufruto adequado atendendo ao cumprimento das normas em vigor garantindo a salvaguarda dos valores ambientais.”
De que servirá ordenar as jangadas flutuantes se, o que é essencial não está assegurado? Sem a abertura regular da lagoa ao oceano e sem o urgente desassoreamento, “quem se lixa é o mexilhão!” Para quando o “cumprimento das normas em vigor garantindo a salvaguarda dos valores ambientais”?, e que estão expressos por exemplo, no Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados?
Que se lute pela preservação daquele que é um dos sistemas lagunares mais importantes da Europa e que está localizado em Sesimbra. E ao invés de esperarem que a APA abra os cordões à bolsa para garantir a abertura e o desassoreamento (como garante nas outras lagoas costeiras portuguesas), pressionem, reclamem e garantam que a abertura é realizada em tempo útil, renovando as águas lagunares (fundamental para a sobrevivência dos mexilhões) e assegurando o pleno usufruto do espelho de água na época balnear. Explicando melhor: que o orçamento anual da Autarquia assuma a realização da abertura da Lagoa de Albufeira sempre (conforme noticiado no Sesimbra Município de Julho de 2018) na época da Páscoa (entenda-se equinócio da Primavera). E, paralelamente (e utilizando uma promessa eleitoral da força politica vencedora) “exigir rapidamente a concretização da operação de desassoreamento e ligação ao oceano, cujo projecto se encontra finalizado.”
Lembrar também uma das afirmações do candidato do Chega (agora independente) perante as promessas em campanha eleitoral daquela que foi a força política vencedora: “vou cobrar!” Irá?
A verdade é que, passados pouco mais de três meses sobre as eleições autárquicas, e apesar da promessa que referi, não há desassoreamento nem garantias sobre quem, quando e como irá efectuar a abertura da lagoa ao oceano. E por um mero acaso, uma distracção talvez, ficámos a saber que o acordo com a APA terminou no ano passado. Nem sei que diga.
Talvez lembrar o Contrato Inter-administrativo assinado com pompa e circunstância entre a APA e a CMS e que garantiria a abertura da lagoa, em tempo útil e na altura certa. A notícia foi dada (através da página oficial da Câmara Municipal) a 30 de Janeiro de 2020. No entanto, talvez um lapso, a notícia não refere que o Contrato que estabilizava finalmente a relação entre as duas entidades e que se revelava ser até uma óptima decisão (palavras do então Presidente da APA), terminava em 2021.
E as perguntas que se põem:
- quais foram as diligências tomadas pela Autarquia tendo em vista o assegurar da abertura da lagoa ao oceano a partir de 2022?;
- quais foram as diligências tomadas pela Autarquia tendo em vista o urgente desassoreamento?;
- quais foram as diligências tomadas pela Autarquia relativamente à APA e à urgente finalização do estudo de impacto ambiental “cujo projecto se encontra finalizado”, conforme referia a promessa eleitoral?
Estamos a menos de três meses do equinócio da Primavera. A Páscoa é, este ano, em Abril. Que o assunto Lagoa de Albufeira volte à ordem do dia rapidamente. Com ou sem novo acordo com a APA. A Lagoa de Albufeira é, em primeiro lugar, território do Concelho de Sesimbra. E se a APA não consegue cuidar desta lagoa costeira, que esse facto seja público e mediático. E que a Câmara assuma essa competência, podendo até aproveitar o Portugal 2030 para resolver de facto esta obrigatoriedade anual de abrir a lagoa ao oceano e, a obrigatoriedade primordial de efectuar urgentemente o respectivo desassoreamento.
Refiro-me por exemplo ao Objectivo Estratégico que visa e cito “reforçar a proteção e a preservação da natureza, a biodiversidade e as infraestruturas verdes” assumindo “a importância de estancar a perda de biodiversidade” dado que se trata “de um compromisso global, que, no caso de Portugal, assume uma expressão mais relevante, pois o seu património natural é um dos pilares que concorre para o seu desenvolvimento (…). Serão, assim, promovidos investimentos com uma forte vocação regional, não só dirigidos estritamente às áreas que integram o Sistema Natural Nacional de Áreas Classificadas, mas alargados a territórios contíguos em que a continuidade territorial seja determinante para garantir os princípios subjacentes em matéria de conservação da natureza, biodiversidade e património natural, ou seja, em territórios presentes e pertencentes à Rede Fundamental de Conservação da Natureza (…)”.
Abrir a lagoa ao oceano e promover o seu desassoreamento é fundamental tendo em vista a “conservação da natureza, biodiversidade e património natural”. Sesimbra tem, no seu património natural, um dos pilares que concorre para o seu desenvolvimento e, a Lagoa de Albufeira, é o seu mais precioso diamante. Não pode por isso, ficar refém das prioridades da APA (e que não incluem a Lagoa de Albufeira, ano após ano).
Fica a ideia. Mas como não percebo nada de nada de financiamentos europeus, nem de acordos inter-administrativos, nem de abertura de canais, nem de desassoreamentos, sossega-me o facto da força política vencedora ser a mesma dos últimos 16 anos. E assim, em último caso, há sempre a possibilidade de ser a “organização Zé Rocha” que, “em cima do joelho”, procederá à abertura do canal de ligação ao oceano, garantindo a renovação de águas (fundamentais para o mexilhão) e o usufruto do espelho de água em plena época balnear.
Não posso também de deixar (ironicamente) uma outra sugestão, mais radical e altamente polémica: sabendo-se das previsões decorrentes do impacto das alterações climáticas e que apontam a subida do nível médio do mar (e de acordo com uma das simulações já efectuadas), a partir de 2030 o canal de ligação da Lagoa de Albufeira ao oceano estará permanentemente aberto. Melhor dizendo: aquela enorme barreira de areia irá desaparecer e a água dentro da lagoa chegará à Apostiça (como em tempos idos) e inundará parte daquele que é o actual acesso ao estacionamento.
Faltam 8 anos para 2030. Poupe-se tempo e dinheiro. Bastará aguardar serenamente que a natureza faça o seu trabalho e resolva aquilo que o homem não consegue resolver. Simples. E se for esta a solução, que a mesma se torne viral, para que ninguém perca tempo sobre assuntos que são, à partida, “não-assuntos”.
Bom dia gostaria de saber mais sobre este assunto. Pois todos os anos luto, envio emails a quem de direito, APA/CM Sesimbra e a resposta é sempre a mesma. Todos temos de fazer alguma coisa.
ResponderEliminarBoa noite. Tenho dedicado vários textos à Lagoa de Albufeira (aqui no blog, 10 textos). E ainda hoje questionei para quando a abertura da lagoa ao oceano. Infelizmente a Lagoa de Albufeira não faz parte das prioridades "de quem de direito". É como diz, "todos temos de fazer alguma coisa".
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