AS MAIORIAS ABSOLUTAS E A DITA “COERÊNCIA”

Aparentemente, nenhum partido político concorda com maiorias absolutas. No entanto, se o partido político for aquele que vence com maioria absoluta, a questão nem se levanta. E é ouvir aquela frase que serve de argumento silenciador: foi a vontade do povo!

O Primeiro-Ministro veio apelar ao voto dos portugueses para que seja possível uma governação estável e duradoura. Por outras palavras (que não disse) pediu ao povo português uma maioria absoluta. Igualmente ambicionada por toda a direita. E porque a decisão do povo português irá recair sobre os dois maiores partidos políticos nacionais, definindo quem ganha e como, há contas que têm de ser feitas. E por quem? Pelos partidos que dificilmente serão algum dia, governo. Mas que ambicionam fazer parte de geringonças, mandando e decidindo, sem ministros ou ministérios (uma espécie de assessoria ao próprio governo, com força politica capaz de o derrubar, por exemplo, através de um chumbo de orçamento).

E o orçamento chumbou. E o Presidente da República dissolveu o parlamento e agendou eleições. E as movimentações começaram. Nomeadamente daqueles que mais directamente podem sofrer derrotas pesadíssimas, fruto do poder que exerceram enquanto aliados do governo, transformados em opositores desse mesmo governo e da governabilidade do país que viabilizaram. Em nome de quem? Do povo, já se sabe. Porque o orçamento, apesar de ser considerado por todos “o orçamento mais à esquerda de sempre”, não respondia aos direitos e à igualdade (ambicionada) do povo (qual povo?). E em nome do povo, por uma questão de “coerência” o governo caiu e a geringonça desfez-se, dizem, irremediavelmente.

E eu que não percebo nada de nada de política, atrevo-me a dizer que a palavra “irremediavelmente” não significa em política, aquilo que significa para o cidadão comum. Melhor dizendo, a palavra “irremediavelmente” está ao mesmo nível da palavra “irrevogável” utilizada por Paulo Portas quando se transformou, nessa irrevogabilidade, Vice-Primeiro-Ministro. 

E para que esse “irremediavelmente” se transforme numa “aliança de esquerda democrática, socialista e governamental” e, em nome do povo, haverá que gritar a plenos pulmões que, a solução de governabilidade do país não passa por uma maioria absoluta de um partido. Porque as maiorias absolutas são perigosas e podem desviar-se dos princípios democráticos, anulando o multipartidarismo, o debate de ideias e a partilha de soluções. No fundo, as maiorias absolutas podem transformar-se em armas ditatoriais, em nome da verdade e da razão que só pertence a um partido político. O resto é paisagem, barulho de fundo sem expressão. 

E ninguém quer ser apenas paisagem, barulho de fundo sem expressão. Especialmente depois de terem sentido o poder e de o terem exercido. O futuro sustentável e estável de governabilidade só estará garantido, em nome do povo (que é soberano) se o governo depender de um parlamento multipartidário que, discutindo opiniões, assumindo posições, interligando propostas e tomando decisões democráticas, assumirá consensos em nome do desenvolvimento do país e do povo português.

Coisa que um partido político, com maioria absoluta, jamais conseguirá alcançar (no tal totalitarismo inerente a essa maioria absoluta). E lembrei-me da “coerência”. E constato que de facto, não percebo nada de nada, absolutamente nada, de política. E porquê? Porque aqueles que são contra as maiorias absolutas no parlamento nacional, são os mesmos que detêm maiorias absolutas (nalguns casos, há quarenta e cinco anos!) em autarquias locais. E porquê? Porque é a vontade do povo! E nessas maiorias absolutas que detêm, são relatados casos absolutamente extraordinários, nomeadamente quando, por vontade do povo, perdem não só a maioria mas também a autarquia.

Na edição do jornal “Sem Mais” deste fim-de-semana, e na notícia sobre a Câmara da Moita, é dito que (e cito): “Depois do “boicote” e das “más surpresas” o presidente da câmara da Moita diz estar a arrumar a casa.” E acrescenta que “de uma pasta com os ficheiros da presidência que existe no servidor da autarquia, tinha sido tudo apagado.” E perante a perplexidade desta notícia, talvez lembrar a passagem de pastas na Câmara de Lisboa, tida como exemplar, em nome dos interesses de Lisboa e dos lisboetas (e não, em nome da derrota e do mau perder).

Diz ainda o mesmo jornal que o Presidente eleito na Câmara da Moita “está a resgatar recursos humanos subaproveitados”, nomeadamente “alguns técnicos muito experientes e de grande valor”. E perante esta afirmação, importa dizer que, talvez por saberem no que se tornam as maiorias absolutas (exercidas sem pluralismo de opiniões, sem integração, sem partilha, sem consensos, apenas em nome de um autoritarismo que se julga detentor da verdade e da razão), sejam contra à possibilidade do parlamento português vir a deter uma maioria absoluta, excluindo quem sabe o que é excluir e, sabendo isso, não quer ser excluído.

Por uma questão de “coerência” e em nome do povo, (até para o povo, onde me incluo, conseguir perceber esta diferença de posições) seria interessante que o partido político que é contra as maiorias absolutas no parlamento português, explicasse que medidas e acções introduz, introduziu ou irá introduzir, nas autarquias que gere (nalguns casos, há quarenta e cinco anos!) em maioria absoluta. 

E já agora, e em nome da “coerência”, que explicasse também porque é que exclui, à partida, a gestão autárquica partilhada com todas as forças políticas que, por vontade do povo, o tão apregoado povo, foram igualmente eleitas livre e democraticamente. Nomeadamente nas autarquias onde vencendo, perdeu as maiorias. É que a “coerência” seria entendível se, os acordos e compromissos assumidos (ao contrário do que foi transmitido na sequência dos resultados autárquicos: “a ordem é para recusar quaisquer acordos pós-eleitorais”) fossem firmados sempre com o mesmo parceiro político. O povo, terá alguma dificuldade em perceber o porquê de uma gestão partilhada, que vai variando, na linguagem popular, “ao sabor da maré” tendo em vista uma qualquer partilha e/ou consolidação de poder, sempre e apenas, como é óbvio, em nome dos interesses concelhios e dos munícipes. 

Resta-nos aguardar por Fevereiro. E pela estabilidade governativa ambicionada. Seja de esquerda, de direita ou, em maioria absoluta. E os impactos que essa mesma estabilidade introduzirá ou não, nos acordos e compromissos assumidos. A bem da gestão autárquica e apenas dos interesses concelhios, claro está! 😊


FONTE DA IMAGEM: noticiasaominuto.com

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