A ORDEM DE TRABALHOS, O TRIBUNAL E O "ETOSOTO"
E eis que na terceira reunião de Câmara e no período antes da Ordem do Dia, todos os Vereadores que são estreantes nestas andanças se queixaram perante o atraso registado sobre o envio da ordem de trabalhos e respectivas propostas (por parte do executivo CDU que lidera a Câmara Municipal), o que não permitiu uma análise mais consolidada sobre os documentos a deliberar. Mais, a ordem de trabalhos saiu para um dos Vereadores eleitos às seis da tarde de segunda-feira. Tiveram sorte, digo eu.
O cidadão comum, o povo, as pessoas, só tiveram conhecimento da ordem de trabalhos depois das duas da tarde de terça-feira. Convém lembrar (mais uma vez) que o regime jurídico das autarquias locais estabelece que as reuniões de Câmara devem ser publicitadas (e cito) “com uma antecedência de pelo menos, dois dias úteis sobre a data das mesmas.” Essa publicitação deverá ocorrer por Edital a “constar em permanência no sítio da Internet do município”, sendo que nesse mesmo Edital deve constar a respectiva ordem de trabalhos (com os assuntos/propostas a deliberar) “de forma a promover o conhecimento dos interessados.”
Diz a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 2º que (e cito parcialmente): “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, (…) visando (…) o aprofundamento da democracia participativa” e não, de uma democracia representativa e soberana. E neste seguimento, talvez lembrar uma promessa eleitoral daquela que foi a força vencedora (CDU): “promoção da participação cívica em projectos e planos municipais, com recurso a acções de proximidade e meios digitais, de forma a envolver cada vez mais os cidadãos no processo de tomada de decisão e definição de prioridades”. E também, duas das recentes frases eleitorais: “juntos sempre a crescer” e “das pessoas para as pessoas”.
Caramba! Era assim tão difícil e complicado publicitar a ordem de trabalhos, “com uma antecedência de pelo menos, dois dias úteis”? É assim tão difícil e complicado que o Edital esteja “em permanência no sítio da Internet do município” de forma bem visível e clara? (sem que seja necessária uma pesquisa em separadores, pastas e sub-pastas?)
Então mas o objectivo defendido por todos os eleitos, não é o de “envolver cada vez mais os cidadãos” na tomada de decisões, promovendo uma cidadania activa e que, em muito contribuirá para fazer descer os níveis assustadores de abstenção a cada acto eleitoral? É assim tão difícil e complicado, numa questão básica como é a publicitação da ordem de trabalhos em Edital, promovê-la nos prazos definidos legalmente? É uma questão informática? É uma questão de descoordenação entre a divulgação e a publicitação? É um lapso?
O pior é que não é apenas o cidadão comum que não tem acesso atempado à ordem de trabalhos; são os próprios Vereadores eleitos (a maioria) que se queixam perante o atraso do envio da mesma. E houve alguma justificação?, algum esclarecimento? Nada. Absolutamente nada. Nem aos Vereadores nem às pessoas. E se todos sabemos quem são os Vereadores, importa perguntar quem são as pessoas? É o povo. E quem é o povo? É o cidadão comum. Aquele das frases “juntos sempre a crescer” e “das pessoas para as pessoas”. E quem é o cidadão comum? É aquele cuja “opinião vale o que vale”. Temo que esteja tudo dito e que estejamos perante uma continuidade que se esperava descontinuada… Adiante.
Sobre a ordem de trabalhos com mais de três dezenas de pontos para deliberar, acrescidos do expediente, das informações (do presidente e vereadores) e do período antes da ordem do dia, tanto que haveria para dizer. Talvez num outro post porque, neste post, irei abordar apenas dois temas que, alterando a imagem e vivência do território sesimbrense, radicalmente, cabem naquela promessa que visa a “participação cívica (…), de forma a envolver cada vez mais os cidadãos no processo de tomada de decisão e definição de prioridades”. Até porque não houve qualquer questão colocada sobre estes dois temas, sendo que os mesmos foram apenas lidos por, eventualmente, serem considerados relevantes. A saber:
Primeiro tema:
- O primeiro ponto do “Expediente” é relativo a (e cito parcialmente): “Email do Tribunal da Comarca de Setúbal a remeter (…) a Proposta de Especialização do Juízo de Competência de Sesimbra (…) na qual (…) é extinto o Juízo de Competência Genérica de Sesimbra (…)” e, “(…) são criados os Juízos Locais: a) Cível de Sesimbra e b) Criminal de Sesimbra.”
Aquando da definição da localização do novo Tribunal de Sesimbra (nos terrenos marginais à Moagem de Sampaio) fui completamente contra a mesma. Para mim, localizar um Tribunal no meio de um espaço rural, escolar e residencial; sossegado e seguro; não fazia qualquer tipo de sentido. Até pelo movimento que iria ser gerado e pelo conjunto de medidas de segurança inerentes ao próprio funcionamento do Tribunal. Na altura, uma das justificações que suportaram aquela localização era a de que o Tribunal de Sesimbra era apenas de “Competência Genérica”. Ora o que o Tribunal da Comarca de Setúbal informa é que, o Tribunal de Sesimbra vai passar a ser “Cível” e “Criminal”.
Três perguntas:
- Existe ou não, alguma consequência (perante esta nova realidade), sobre aquele que é o projecto (aprovado) para o novo Tribunal de Sesimbra?
- Quais serão os impactos, ou não, que irão ser gerados (perante a criação de Juízos Cível e Criminal) numa área rural, escolar e residencial como é aquela onde está prevista a construção do Tribunal (terrenos marginais à Moagem de Sampaio)?
- Estará a ser equacionada uma outra localização? Se sim, onde? Se não, porquê?
É que uma coisa é ser um Tribunal de “Competência Genérica”. Outra coisa é ser um Tribunal com dois “Juízos Locais: a) Cível de Sesimbra e b) Criminal de Sesimbra.” De acordo com o que foi avançado na reunião de hoje, a Câmara terá de, eventualmente, deliberar sobre este tema. Espero sinceramente que sejam equacionados todos os cenários e que a decisão que venha a ser tomada seja a mais coerente e consensual. (Volto a dizer que concordo completamente com a construção do novo Tribunal de Sesimbra mas, sou completamente contra a localização escolhida para a implementação do mesmo).
Segundo tema:
- O segundo ponto do “Expediente” é relativo a (e cito): “Email da CCDR-LVT – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo a enviar a DECAPE – Decisão de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução sobre o Empreendimento Hoteleiro Eco Hotel ETOZOTO 4*, com 58 Unidades de Alojamento, no lugar denominado Azoia, e o respectivo TUA – Titulo Único Ambiental.”
Cinco perguntas:
- Existem ou não condicionantes estabelecidas pela DECAPE, nomeadamente sobre o troço de Aqueduto que será destruído/demolido?
- Quais são as medidas e condições específicas (a cumprir) definidas no TUA, relativamente ao licenciamento do Empreendimento?
- Quais são as medidas, condições gerais e especificas (a cumprir) definidas no TUA, relativamente à exploração do Empreendimento?
- Quais são as medidas e condições a cumprir (definidas no TUA), relativamente aos resíduos urbanos, águas residuais, ruído,…?
- Para quando a divulgação pública do TUA, por parte da Câmara Municipal de Sesimbra que deve, na minha opinião, liderar a disponibilização de informação aos munícipes, (sabendo-se que a APA e a CCDR-LVT irão oportunamente, divulgar a mesma)?
Perante o impacto que esta iniciativa privada (e outras) provocou na opinião pública sesimbrense, perante o conjunto de participações ocorridas na fase de consulta pública, perante o conjunto de notícias constantes na comunicação social local, regional e nacional, o mínimo (digo eu) que se exigiria, era um esclarecimento claro e sucinto sobre aquilo que está plasmado no TUA. E esse esclarecimento deve partir, na minha opinião, da Câmara Municipal de Sesimbra: perante o executivo, perante os deputados da Assembleia Municipal e perante os munícipes do Concelho. Até porque, aquele empreendimento (e outros) irá introduzir novas dinâmicas, novos hábitos e novos custos na gestão municipal, como sejam por exemplo, a recolha de lixo doméstico e reciclado e, a manutenção da estrada de acesso ao empreendimento (a Estrada das Aguncheiras, em terra batida, estreita e sinuosa).
Volto a referir que todos os empreendimentos turísticos estão sujeitos a consulta pública dado que os mesmos não resultam de loteamentos ou planos de pormenor. E essa consulta pública é obrigatoriamente promovida pela Câmara Municipal, em fase de licenciamento, sendo que no caso do "ETOSOTO", a deliberação camarária só pode ter lugar depois de decorrido o período de discussão pública (mínimo de 15 dias) e de analisadas as respectivas participações (com a consequente elaboração de relatório). Quer isto dizer que: a consulta pública que decorreu sobre o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) que culminou com a emissão do TUA, não tem nada a ver com a consulta pública que terá de ocorrer em fase de licenciamento. São duas consultas públicas distintas, obrigatórias e com fins diferentes.
Termino com a promessa realizada no mandato passado, perante os deputados da Assembleia Municipal (na reunião de 30 de Abril de 2021):
“(…) a Câmara está a preparar uma publicação exactamente para informar os termos e as referências daquilo que está neste momento a fazer, portanto falta de informação não vai haver (...) nós não escondemos aquilo que são os projectos ou processos que têm alguma maturidade portanto, o município de Sesimbra, estou a informar desde já, à partida, informará e fará uma publicação (em principio digital), com todos os processos turísticos que neste momento têm uma maturidade já avançada (…)”
Parece-me que este caso concreto ("ETOSOTO") terá “uma maturidade já avançada” pelo que teria sido positivo (até porque “nós não escondemos aquilo que são os projectos”) que, para além da leitura do ponto 2 do “Expediente”, tivesse sido explanado o conteúdo (condicionando o desenvolvimento do empreendimento) do Titulo Único Ambiental (TUA).
Mas claro, e mais uma vez, esta é só a minha opinião e que, enquanto cidadã comum, “vale o que vale”.
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