A MINHA PARTICIPAÇÃO NA CONSULTA PÚBLICA SOBRE A PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZONA ESPECIAL DE CONSERVAÇÃO (ZEC) ARRÁBIDA-ESPICHEL

Partilho publicamente aqueles que foram os meus considerandos sobre a “PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZONA ESPECIAL DE CONSERVAÇÃO (ZEC) ARRÁBIDA-ESPICHEL” cuja consulta pública termina hoje, dia 12 de Novembro.

A ZEC ARRÁBIDA-ESPICHEL, integra a Rede Natura 2000: “uma rede ecológica para o espaço da União Europeia e tem por objetivocontribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu”.

A ZEC ARRÁBIDA-ESPICHEL abrange áreas dos territórios de Sesimbra, Setúbal e Palmela, num total superior a 20 mil e 600 hectares, sendo que cerca de 50% desta área, está localizada no concelho de Sesimbra (ou sejam, mais de 10 mil hectares). O Plano de Gestão vem estabelecer medidas de conservação para a gestão e ordenamento das áreas onde ocorrem os valores naturais, tendo em vista a manutenção ou o restabelecimento desses mesmos valores naturais.

Sendo um Plano de Gestão, elenca um conjunto de medidas regulamentares e de conservação, que se esperam vir a concretizar durante os 10 anos de vigência do próprio Plano. No entanto, é um Plano de Gestão que não apresenta qualquer orçamento ou financiamento para a concretização das medidas que propõe. Ou seja, corre o risco de ser apenas mais um Plano, sem capacidade financeira, a juntar ao PDM, POPNA, POC, REN, RAN, DPH, Regime Florestal, Rede Natura 2000,… contribuindo apenas para mais um conjunto de “ideias” sem aplicabilidade temporal, sem meios humanos e materiais definidos e, sem fontes de financiamento.

No entanto, e sendo que a ZEC ARRÁBIDA-ESPICHEL é maioritariamente no concelho de Sesimbra, urge implementar as medidas definidas pelo Plano de Gestão (sujeito a consulta pública) nomeadamente, na Revisão do PDM de Sesimbra, integrando as mesmas no sentido de preservar valores naturais que, por serem de elevado valor, são considerados “sítios de importância comunitária (de acordo com a Directiva Habitats). 

Que aquela que será a proposta de Revisão do PDM a remeter à CCDR-LVT na primeira quinzena de Dezembro.2021 (informação transmitida nas primeiras reuniões de Câmara deste novo mandato), integre o conjunto de informação, caracterização, medidas de conservação e proibição, contemplando-as no seu zonamento e regulamento.

A fotografia que ilustra este post, é (e cito o Plano de Gestão) “um dos tipos de habitat mais raros no nosso país, (…), sendo exclusivo desta ZEC em Portugal Continental”. Trata-se do Trovisco do Espichel, que marca a paisagem das arribas calcárias junto ao mar, na Serra da Arrábida, entre Sesimbra e o Cabo Espichel.

FONTE DA IMAGEM: retirada do livro CABO ESPICHEL, EM TERRAS DE UM MUNDO PERDIDO (foto: Francisco Rasteiro) 


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PARTICIPAÇÃO: PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL

No âmbito da consulta pública promovida relativamente à PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL e depois de consultar o conjunto de elementos disponibilizados, e considerando:

  1. Conforme alerta a “NOTA PRÉVIA” constante na primeira página (imediatamente a seguir à capa) e que transcrevo parcialmente: “O presente Plano de Gestão da ZEC Arrábida/Espichel reúne a melhor informação de caráter biológico, ecológico e socioeconómico, disponível à data da sua elaboração (…)”;
  2. Na página 5 é referido que (e cito): “O Plano de Gestão identifica o conjunto de objetivos de conservação para cada um dos valores naturais e, face às prioridades de conservação, define as medidas necessárias para os atingir, as respetivas formas de operacionalização e o programa de acompanhamento da execução das mesmas medidas”, definindo que o mesmo terá uma vigência de 10 anos;
  3. Na última página (195) é referido que (e cito) “o acompanhamento da execução do plano de gestão é, do ponto de vista institucional, efetuado pelo ICNF (…)”;
  4. Na mesma página 195 é referido que “o Programa de Acompanhamento deve prever, ainda, a realização de relatórios intercalares e final, os quais incluem” (entre outros): “Análise da evolução dos fatores externos com eventual impacto na gestão da área marinha das ZEC (por exemplo, das pressões e atividades mais relevantes, das condicionantes legais e dos instrumentos de financiamento das medidas de conservação).”

Ou seja:

  • Pressupõe-se que será o ICNF a entidade gestora da Zona Especial de Protecção, tendo em vista a implementação das medidas consignadas na respectiva PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO;
  • No entanto, para essa implementação de medidas, não são definidas quaisquer tipos de fontes de financiamento (a palavra “financiamento” surge uma única vez em todo o documento), pelo que estará à partida limitada a concretização de qualquer tipo de medida de conservação e preservação de “habitats naturais, da fauna e da flora selvagens, que incidem sobre sítios de importância comunitária”, como seja na ZEC Arrábida-Espichel;
  • A PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL é genérico quanto à calendarização e execução das medidas preconizadas (definindo apenas um período de vigência de 10 anos), não definindo a concretização dos objectivos/metas definidas, temporalmente (anuais?), sendo omisso relativamente ao financiamento de todas as acções, como sejam as preconizadas pelas medidas de conservação complementares, de relevância “elevada” e “muito elevada” e das quais cito, por exemplo:
    • MC1. Restaurar habitats adequados às populações de presas de morcegos.
    • MC2. Recuperar a envolvente das pedreiras. 
    • MC8. Restaurar as áreas degradadas dos tipos de habitat alvo de arribas litorais. 
  • A PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL integra um “programa de acompanhamento da execução” das medidas definidas, sendo que o mesmo estará ferido de exequibilidade porquanto, conforme referi, as medidas não estão orçamentadas.
  • No “Quadro 80 – Quadro operacional das medidas de conservação complementares” (página 180), são referenciadas as entidades envolvidas tendo em vista a concretização das medidas definidas, sendo omisso o grau de envolvimento de cada uma dessas entidades, nomeadamente com os meios humanos e materiais tendo em vista a execução das mesmas, assim como a quota-parte de cada entidade no respectivo orçamento/financiamento que possibilitará essa concretização.


Relativamente aos “outros aspectos que influenciam a gestão” da ZEC Arrábida-Espichel:
  1. Conforme é referido na página 80 relativamente ao regime de propriedade e cadastro (e cito parcialmente) “há a assinalar o facto de (…), cerca de 10% da área total da ZEC Arrábida/Espichel (cerca de 1751 hectares) se encontrar sujeito ao regime florestal. Da área referida, cerca de 210 hectares correspondem a propriedade do Estado (Matas Nacionais), sendo que a restante área corresponde a propriedades municipais e terrenos privados afetos ao regime parcial (Perímetros Florestais).” 
  2. Na mesma página é referido que “se presumem públicos” os terrenos em Domínio Público Hídrico (nomeadamente os integrados numa “faixa de 50m, medidos a partir da linha limite do leito das águas do mar (…)”;
  3. Na página 7 e relativamente à localização da ZEC Arrábida-Espichel, é referido que a mesma terá “uma área total de cerca de 20 663 hectares (dos quais 15 151 ha correspondem à área terrestre e 5 512 ha à área marinha) (…)”.

Ou seja:

  • Pressupõe-se que serão públicas as faixas de terreno ao longo da costa e em domínio público hídrico;
  • Apenas 210ha de área florestal são propriedade do Estado, correspondendo a 10% da área florestal total integrada na ZEC Arrábida-Espichel (cerca de 1751ha);
  • De acordo com a reflexão e recomendação recentemente efectuada pela CNADS - Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (à Assembleia da República e ao Governo sobre a gestão sustentável de Áreas Protegidas no quadro do pacto ecológico europeu), “mais de 90% dos terrenos das Áreas Protegidas são propriedade privada”, sendo que “o CNADS recomenda que o Estado Português equacione um programa de aquisição e/ou de contratualização de gestão de terrenos cuja prioridade seja a conservação da Natureza” (página 40, ponto: III.4.6. Domínio público e aquisição de terrenos);
  • Tendo a ZEC Arrábida-Espichel “uma área total de cerca de 20 663 hectares (dos quais 15 151 ha correspondem à área terrestre)”, a PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL é omisso relativamente à titularidade das restantes propriedades que não estão em áreas florestais, sendo igualmente omisso relativamente às medidas que se propõe preconizar, tendo em vista o  envolvimento dos diferentes proprietários (privados) na gestão efectiva daquela que é a ZEC Arrábida-Espichel.

Relativamente aos “Estatutos de Proteção” integrados na ZEC Arrábida-Espichel:
  1. Conforme refere a página 52, “81% da área da ZEC” integra o Parque Natural da Arrábida;
  2. A Zona de Proteção Especial Cabo Espichel (…) sobrepõe-se a cerca de 5,8% da área total da ZEC”(página 55), estando totalmente integrada no Parque Natural da Arrábida;
  3. As áreas de REN abrangem cerca de 54% da área total da ZEC” (página 56), estando parcialmente integradas no Parque Natural da Arrábida;
  4. Às áreas de Reserva Agrícola Nacional corresponde “aproximadamente, 13% da área total da ZEC” (página 57), estando parcialmente integradas no Parque Natural da Arrábida;
  5. As áreas em Domínio Público Hídrico correspondem a “cerca de 3% da área da ZEC”, (página 59), estando parcialmente integradas no Parque Natural da Arrábida;
  6. As Áreas de Risco de Incêndio Florestal “correspondem, aproximadamente, a 61% da” área da ZEC (página 64), estando parcialmente integradas no Parque Natural da Arrábida.

Ou seja:

  • 81% da área correspondente à ZEC Arrábida-Espichel está protegida pelas medidas preconizadas no POPNA – Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida;
  • Acresce que, também as áreas de REN, RAN, Domínio Público Hídrico e Áreas de Risco de Incêndio Florestal (parcialmente integradas no Parque Natural da Arrábida), estão protegidas no âmbito das definições constantes nos respectivos jurídicos aplicáveis;
  • A PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL não esclarece se prevalece sobre os regimes jurídicos existentes, nem se estão previstas medidas articuladas nomeadamente com o Parque Natural da Arrábida, tendo em vista a execução e financiamento das medidas de gestão preconizadas;
  • Restam menos de 10% da área correspondente à ZEC Arrábida-Espichel que não está protegida por qualquer tipo de regime jurídico (obedecendo aos parâmetros estabelecidos pelos diferentes planos municipais de ordenamento do território);
  • Pressupõe-se que serão nestes 10% da área correspondente à ZEC Arrábida-Espichel (que não está protegida por qualquer tipo de regime jurídico), que se aplicarão as Medidas de Conservação Regulamentar descritas no quadro 78 da página 179;
  • A PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL não esclarece se as 31 Medidas de Conservação Regulamentar propostas resultarão num diploma legal com carácter vinculativo (constituindo-se como regime jurídico) e que irão interditar e condicionar o uso e ocupação do solo, “no sentido de assegurar o cumprimento dos objetivos visados pela criação da Rede Natura 2000” (página 5).

 

Relativamente aos “Instrumentos de Gestão Territorial” com incidência na área da ZEC Arrábida-Espichel e sobre os “Planos Directores Municipais”, nomeadamente o Plano Director Municipal de Sesimbra:

  • Na página 73 são referidas apenas as principais categorias de espaço definidas no PDM de Sesimbra e abrangidas pela ZEC (ficando excluídas as áreas urbanas/urbanizáveis, de transição, de equipamentos, turísticas, industriais e portuária), sendo que e relativamente a:
    • Espaço Natural: “correspondente a 39% da área da ZEC em Sesimbra”; 
    • Espaço Agrícola: “correspondente a 33% da área da ZEC em Sesimbra”; 
    • Espaço Florestal: “correspondente a 7% da área da ZEC em Sesimbra”.
  • Na página 7, é referido que “44,8% da área terrestre da ZEC está contida” no concelho de Sesimbra (sendo 44,3% em Setúbal e 10,9% em Palmela). 
  • O Anexo 5 relativo aos instrumentos de gestão territorial e às condicionantes legais com influência na gestão da ZEC, identifica entre outros, o PDM de Sesimbra, enumerando todas as classes de espaço e respectivos regimes aplicáveis.

Ou seja:

  1. 44,8% da ZEC Arrábida-Espichel é em Sesimbra. Destes, 21% corresponderão a outras categorias não mencionadas nem individualizadas (áreas urbanas/urbanizáveis, de transição, de equipamentos, turísticas, industriais e portuária) e que, nesta PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL se pressupõe que serão nestas áreas aplicadas (em articulação com o PDM) as medidas de conservação regulamentar preconizadas;
  2. Os espaços florestais e agrícolas estão parcialmente abrangidos pelo Parque Natural da Arrábida, sendo que na área restante (omissa) pressupõe-se que serão aplicadas também, (em articulação com o PDM), as medidas de conservação regulamentar preconizadas;
  3. O instrumento de gestão territorial, como seja o PDM de Sesimbra, tem influência na gestão da ZEC sendo que a PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL é omissa relativamente ao carácter dessa influência, não definindo por exemplo se, as medidas de conservação regulamentar preconizadas se sobrepõem às classes de espaço (e respectivos regimes aplicáveis) definidas no PDM de Sesimbra. 


Em jeito de conclusão, e numa área abrangida por diferentes planos directores municipais, por regimes de REN, RAN, DPH, Áreas de Risco de Incêndio Florestal, ZPE, pelo regime florestal, pelo POPNA, pelos POC, pela Rede Natura 2000,… a PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL será o documento fundamental para o garante da preservação dos “habitats naturais, da fauna e da flora selvagens”, que conduziram a que esta zona do território português integrasse “a lista de sítios de importância comunitária (SIC), no âmbito da Diretiva Habitats”. 

Pelo que acima explanei, considero que para uma gestão plena e eficaz de uma área territorial superior a 20 mil hectares, a presente PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL deveria:

  • Prever a calendarização anual das medidas propostas, orçamentando-as e atribuindo/definindo a competência de cada uma das entidades envolvidas na concretização dessas mesmas medidas;
  • Proceder ao levantamento cadastral das propriedades abrangidas pela ZEC e sua titularidade, definindo medidas de cogestão, adequadas às diferentes realidades que integram a ZEC Arrábida-Espichel;
  • Cartografar os 10% de área não abrangida por qualquer regime jurídico de protecção, diferenciando cada uma das classes de solo, articulando com a titularidade das propriedades abrangidas, numa solução que vise a cogestão dos valores naturais presentes.
  • Clarificar em que medida a PROPOSTA DO PLANO DE GESTÃO DA ZEC ARRÁBIDA/ESPICHEL se irá sobrepor aos instrumentos de gestão territorial e às condicionantes legais abrangidas pela ZEC.


Sandra M.B. Patrício

Sesimbra, 11 de Novembro de 2021

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