EM NOME DA COERÊNCIA
E à hora marcada, Jerónimo de Sousa anunciou a intenção de voto sobre a proposta de orçamento de estado para 2022: o PCP irá votar contra, por uma questão de coerência politica e partidária. E perante esta declaração, parece certo que o orçamento de estado irá ser chumbado na próxima quarta-feira no parlamento. A menos que para o BE, apesar de ter anunciado a intenção de votar contra o orçamento, alguma coisa se altere até quarta-feira porque e cito “ainda há tempo” e “é preciso esgotar todas as possibilidades.”
Sobre a pergunta a Jerónimo de Sousa se até quarta-feira também o PCP poderia mudar o sentido de voto, respondeu firme: “não acredito em bruxas”, e argumentou com o povo e os trabalhadores. Sendo essa a génese do partido, “há que manter a coerência.”
Vamos por partes. Dizem os entendidos que este orçamento de estado é o mais à esquerda de sempre. Nunca o governo cedeu tanto perante as solicitações/exigências de esquerda à esquerda. E sendo o orçamento mais à esquerda de sempre, vai ser chumbado por essa mesma esquerda. E eu que não percebo nada de nada de orçamentos de estado, fui ver afinal a que solicitações/exigências da esquerda o governo socialista cedeu. E sendo questões relacionadas com o povo e o direito dos trabalhadores, vou referir apenas três anseios da esquerda que o governo socialista viabiliza no orçamento de estado para 2022: aumento das pensões em 10€ (até aos 1.100€); gratuitidade das creches para todos (progressivamente e até 2024); pagamento de horas extraordinárias para os valores que vigoravam antes da Troika.
Por uma questão de coerência, o PCP vota contra. Ponto final. O BE, mantêm o suspense, o drama, a tensão. Vota contra mas, talvez não. Para que não sejam favas contadas. Esticam a corda até ao limite e depois, por acção de um milagre qualquer que ocorrerá entre hoje e quarta-feira, abstêm-se. Será?
Por um lado, percebo perfeitamente a posição do BE e do PCP. Cansaram-se de ser apenas a garantia do PS. A muleta. A engrenagem fundamental para o funcionamento da geringonça. O sim necessário e inquestionável. Perdendo com isso a sua dimensão partidária, enquanto partido autónomo, com ideologia própria e independente. Está em causa o partido e a sua razão de existência. Não pode, não deve, nem quer, ficar refém de um governo ou de um partido do governo. E com esta posição, podem até perder eleitorado, se acaso se realizarem eleições antecipadas. Mas, em democracia, perde-se e ganha-se. E muitas vezes haverá que perder para depois ganhar.
Por outro lado, não percebo de maneira nenhuma a posição do BE e do PCP. Porque acima do interesse nacional está afinal, o interesse do partido. Numa altura em que se avizinha um inverno que pode ser complicado (com mais doenças respiratórias, com mais COVID-19, com variantes mais fortes e mortais), uma crise energética mundial (que coloca em causa o abastecimento de cereais, que faz disparar o preço dos combustíveis, que põe em causa o abastecimento de bens, que aumenta exponencialmente o preço do ferro e consequentemente o custo da construção), uma Europa que irá injectar milhares de milhões de euros em Portugal (fruto do PRR), o interesse nacional não precisa de uma crise politica nem de eleições antecipadas que, resumidamente, irão parar o país, parar o investimento, parar a recuperação nacional e congelar os direitos do povo e dos trabalhadores.
Quer isto dizer que, com o chumbo do orçamento de estado para 2022, aquelas que são solicitações/exigências do BE e do PCP ao governo socialista, ficarão anuladas, inviabilizadas. Ou seja, a partir de Janeiro de 2022, Portugal estará sem orçamento, sem governo e à beira de eleições legislativas. Não haverá nem creches gratuitas, nem aumentos de 10€ nas pensões, nem o pagamento de horas extraordinárias nos valores pré-Troika. Mais, com a eleição de um novo governo (que ninguém sabe se será de esquerda ou de direita e em que moldes) o orçamento será outro e estas solicitações/exigências poderão (ficarão) completamente anuladas e inviabilizadas. Acresce que, a "bazuca europeia", perante este cenário, ficará suspensa pelo menos, durante seis meses.
Porque, por uma questão de coerência, o PCP vota contra. E o BE também… talvez, logo se vê até quarta-feira. Marcelo Rebelo de Sousa suspirou, dizendo que irá reflectir. E se não for possível um entendimento favorável à aprovação do orçamento (até quarta-feira), irá dissolver o parlamento e marcar eleições antecipadas.
E com eleições legislativas antecipadas, a verdade é que a direita está em disputa interna relativamente à liderança dos respectivos partidos (PSD e CDS). O que, digo eu, dificultará a definição de uma estratégia (até em coligação) que permita ser uma alternativa. Já a esquerda da esquerda irá colher os frutos que plantou (sendo certo, digo eu, uma queda significativa face aos actuais deputados eleitos: 19 do BE e 10 do PCP) e, o PS, poderá vir a apelar ao voto útil na esquerda e/ou a uma maioria absoluta (difícil de conseguir). No meio desta confusão, subirá a Iniciativa Liberal e o Chega. E provavelmente, digo eu, se acaso a direita vencer sem maioria, a geringonça será efectuada à direita, com o poder negocial sobre o Chega e a Iniciativa Liberal, excluindo toda a esquerda representada no parlamento (grosso modo, o mesmo modelo de gestão mas, ao contrário). E se agora, o PCP por coerência e, o BE, votam contra, o que terão estes dois partidos a dizer se por um acaso virem a direita, geringonciada com o Chega, aprovar um orçamento de direita que será (como é óbvio) um orçamento o mais à direita possível, face até às declarações da direita perante a falta de investimento do PRR nas empresas privadas em detrimento de continuar a injectar dinheiro na máquina do estado (por exemplo, SNS e educação)?
Também neste caso, será uma questão de coerência a ditar o sentido de voto que será (tal como é hoje o sentido de voto do Chega ou da Iniciativa Liberal) irrelevante para a aprovação, ou não, do que quer que seja presente ao parlamento para votação.
Porque, para além do interesse nacional, existe o interesse do partido. E esse é de facto o mais importante e relevante. O resto, é só politiquice. Para o povo, para o tão apregoado povo, com uma crise pandémica e económica e que foi sendo gerida pela geringonça, será difícil de aceitar que seja essa própria geringonça a instalar uma crise politica. Como é que isto se explica? O que irão fazer por exemplo, os sindicatos com as greves que estão agendadas, reivindicando aumentos e progressões nas carreiras?, quando tudo o que já estava consignado na proposta de orçamento de estado para 2022 será anulado pelo PCP e pelo BE? Chegará uma justificação com base na coerência política de um partido que, em nome do povo e do direito dos trabalhadores, mistura a Lei Laboral com o orçamento anual, fazendo cair o governo e instalando uma crise política até (pelo menos) Fevereiro de 2022 e adiando a definição e aprovação de um novo orçamento de estado (para 2022) lá para Março ou Abril?
Um orçamento de estado é anual. Uma Lei é intemporal. Uma Lei como a Laboral não pode nem deve ficar dependente deste ou daquele orçamento. A Lei Laboral (como tantas outras) deve isso sim, ser revista, debatida, alterada e aprovada isoladamente e enquanto lei que é, pelos deputados que compõem a Assembleia da República. Constituindo-se como uma directiva para a definição dos sucessivos orçamentos anuais e não, como consequência das medidas orçamentais previstas anualmente.
Confesso que estou curiosa com o desenrolar dos próximos dias. Até lá, pergunto-me que efeitos terão estas decisões face aos resultados obtidos nas eleições autárquicas, nomeadamente pela CDU. Será que nas Câmaras onde perdeu as maiorias, como é o caso de Sesimbra, este voto contra o orçamento de estado irá mudar estratégias em nome de uma qualquer “coerência” ambicionada?
Imaginem que, perante o orçamento municipal para 2022 e que irá ser apresentado pela CDU, o Chega por coerência partidária, vota contra (o Chega vota contra o orçamento de estado). E o PS adopta uma posição semelhante ao PCP e, em nome das pessoas e para as pessoas, vota igualmente contra. Era lindo. O que aconteceria à gestão camarária? Ao que cederia a CDU perante as propostas do PS? Avançaria a CDU quiçá, para um orçamento PS e não CDU? E o PS, teria uma postura irreversível? (e que nas palavras de Jerónimo de Sousa, passaria por um “acto de magia” que alterasse o sentido de voto e viabilizasse o orçamento apresentado)?
Amanhã fará exactamente um mês sobre o dia das eleições. E até hoje, continua guardada a sete chaves, a divulgação pública e formal de quem é quem em cada pelouro municipal. Aliás, a ordem de trabalhos de amanhã, refere os despachos de atribuição dos pelouros mas não os identifica. Ninguém tem nada a ver com isso.
Avizinham-se quatro anos hilariantes. Com esta nova dinâmica criada pela famosa “coerência”. Em nome do povo e dos trabalhadores. Das pessoas e para as pessoas. Em nome de Sesimbra e dos sesimbrenses. Em que cada dia será um dia. E depois de Fevereiro (se de facto foram antecipadas as eleições legislativas) logo se verá como se adaptam as estratégias e as “coerências”. E claro, com uma boa dose de secretismo e respectivos boatos.
E já gora, em nome da “coerência”, lindo lindo seria se amanhã fosse retirada da ordem do dia a informação do Presidente relativamente aos despachos de atribuição de pelouros, revogando, enquanto Presidente, os seus próprios despachos. Afinal, perante a pergunta sobre a “possibilidade de oferecer pelouros”, a resposta foi categórica: “Acho que é difícil.” Haja coerência entre o discurso e a acção! Já que “a ordem é para recusar quaisquer acordos pós-eleitorais.”
Aguardemos serenamente por amanhã. E por quarta-feira. Quero acreditar que se trata apenas de uma demonstração de força da esquerda à esquerda e que, na hora h, fará passar o orçamento de estado. Até porque, têm agora lugar os jogos de bastidores e onde, Marcelo Rebelo de Sousa será uma das principais figuras. Pelo que, digo eu, será só depois de quarta-feira que serão conhecidos os pelouros atribuídos (ou não) a cada vereador eleito.
FONTE DA IMAGEM: sns.gov.pt
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