"CASA DOS SEGREDOS"

O título não é meu mas serve na perfeição para intitular aquela que foi hoje, a primeira reunião de Câmara do novo executivo municipal composto por três forças políticas e sem (ao fim de 16 anos) maioria absoluta da CDU.

Todos estarão lembrados de muitas das palavras que foram sendo ditas em plena campanha eleitoral. Nomeadamente sobre a coerência de opiniões sobre esta ou aquela matéria. Por várias vezes, a mudança de opinião provocou quase a indignação e a estupefacção por parte dos recandidatos: como era possível que uma, duas, três, forças politicas tivessem opiniões diferentes daquelas que foram sendo viabilizadas nos últimos quatro anos por essas mesmas forças politicas. E foi dito: o partido não pode mudar de opinião conforme as pessoas que o compõem. Há que haver coerência no discurso e naquilo que se defende.

E é exactamente de coerência que se trata. Depois dos resultados da noite eleitoral do passado dia 26 de Setembro, Jerónimo de Sousa (cedinho) afirmava (depois da CDU perder maiorias nas Câmaras de Barrancos, Benavente, Évora, Palmela, Seixal, Serpa, Setúbal, Viana do Alentejo e Sesimbra) que (e cito) “a ordem é para recusar quaisquer acordos pós-eleitorais; não haverá acordos escritos.” E esclarecia que esta ordem não inviabilizaria “convergências com seja qual for a força partidária, em medidas de apoio às populações.”

No jornal “O Setubalense” (7.Out.2021), o Presidente reeleito afirmava ter “confiança na possibilidade de entendimento com o PS”. E perante a pergunta sobre a “possibilidade de oferecer pelouros”, a resposta foi categórica: “Acho que é difícil.” E sobre a possibilidade de entendimento com o PS afirmava que esse entendimento (e cito): “vai ser possível, seja em termos pontuais ou mais definitivos, encontrar as pontes necessárias para aquilo que é o importante, que é dar resposta aos problemas do concelho e aos investimentos que estão previstos.”

Já o cabeça de lista eleito pelo PS afirmava ao jornal “O Setubalense” (13.Out.2021) e cito: “a população escolheu não renovar a maioria absoluta da CDU no executivo camarário (…) A CDU deve compreender o sinal dado pelo eleitorado no dia 26 de Setembro e respeitar essa vontade. É possível uma gestão equilibrada da autarquia com a participação efectiva das duas forças politica mais votadas.” Quer isto dizer, digo eu, que a gestão partilhada e em respeito pelo voto dos sesimbrenses, implicaria a atribuição de pelouros aos vereadores eleitos pelo PS e de igual número relativamente aos eleitos pela CDU (3).

Ontem, o mesmo jornal noticiava que o Presidente reeleito afinal, iria atribuir pelouros ao PS. Na tal coerência (estou a ironizar) e no seguimento da ordem definida por Jerónimo de Sousa. Certo é que, os pelouros da Autarquia irão ser partilhados com os três vereadores do PS, ficando excluído o vereador do Chega. 

E assim sendo, a primeira reunião do novo executivo municipal decorreu hoje, dia 22 de Outubro de 2021, durante a manhã, no Auditório Conde Ferreira. Foi publicitada (como é obrigatório) em edital, especificando que a mesma se iria realizar ao abrigo “do artigo 48º. da Lei  nº. 75/2013, de 12 de Setembro”, não definindo qualquer ordem de trabalhos.

Confesso que ontem, numa opinião sobre o que seria esta primeira reunião do novo executivo camarário, afirmei que a mesma se destinaria apenas à definição de pelouros e a quem os mesmos seriam atribuídos. Não haveria lugar a qualquer tipo de deliberação. Por dois motivos: o primeiro porque a ordem do dia inclui os assuntos que são indicados pelos respectivos vereadores de cada pelouro e que carecem de deliberação camarária (ora desconhecendo quem são os vereadores dos pelouros não haverá assuntos propostos pelos mesmos); o segundo porque, se por um acaso existissem deliberações camarárias, as mesmas seriam inválidas, nulas, porquanto as mesmas não estavam incluídas na ordem do dia, dado que a mesma era inexistente.

E é aqui, exactamente neste ponto, que surge o título “Casa dos Segredos”. Então não é que a primeira reunião do novo executivo camarário, deliberou sobre uma ordem de trabalhos, composta por cinco pontos (e para início manteve-se a norma regrante dos últimos quatro anos: todas as aprovações foram tomadas por unanimidade!), sendo que a mesma não foi divulgada nem publicitada? Diz a Lei nº. 75/2013, de 12 de Setembro que o executivo camarário (e cito) “no caso de urgência reconhecida por dois terços dos seus membros, pode o mesmo deliberar sobre assuntos não incluídos na ordem do dia.

Ora essa urgência não foi reconhecida por nenhum dos membros do executivo. E aquilo que era verdadeiramente importante, parece que será divulgado hoje, durante a tarde, e presente à próxima reunião de Câmara (dia 26 de Outubro) para conhecimento.

A mim, parece-me sinceramente, um mau início. Parece que se está perante um segredo secreto, guardado a sete chaves, do qual não se fala, não se divulga, não se diz uma palavra. Um hábito decorrente dos últimos quatro anos: “surpresas!” que surgem como “novidades”. O único dado avançado é que o vereador eleito pelo Chega não terá pelouros, nem tempos, nem meios-tempos. Os restantes vereadores permanecem na penumbra, à espera da luz que os ilumine perante o povo que os elegeu. Valha-nos Deus.

Em 45 anos, nunca tal aconteceu. Quase um mês depois das eleições, a população, o cidadão comum, o povo que vota, não tem direito a saber quem é quem. E o mais curioso é que, se a CDU poderá ter alguma dificuldade em divulgar os pelouros que distribuiu, o PS parece alinhar neste mistério secreto, não avançando sequer com uma declaração, uma definição, um esclarecimento. E até tenho uma ideia para uma dinâmica completamente inovadora: não divulguem quem é quem durante os próximos quatro anos. Deixem que fique tudo numa espécie de limbo, em segredo. E cada vez que o assunto vier "à balha", contornem, fiquem em silêncio, sorriam.

Sinceramente esperava mais frontalidade, transparência e clareza deste novo executivo camarário. Foi de facto um mau início. E se para uma matéria tão simples como é a atribuição de pelouros, o mistério e secretismo que envolveu o mesmo, só pode ser um mau presságio. Imagem o secretismo e o mistério que irão aglutinar as grandes questões que terão de ser decididas neste mandato, como sejam a Estratégia Local da Habitação, o Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas ou a Revisão do PDM de Sesimbra. Para já não falar daquela que será a grande deliberação a tomar já nos próximos dias: o orçamento camarário para 2022. E consequentemente, o envio à Assembleia Municipal.

Sobre a tomada de posse da Assembleia Municipal haveria tanto para dizer. Mas o post já vai longo. O melhor será, (e para os mais curiosos) cada um por si ouvir e ver a gravação e fazer a sua própria análise. Sobre as frases feitas, sobre a carta, sobre o elogio aos vereadores cessantes, sobre o senhorio e o arrendatário. Enfim. 

Voltando à reunião de Câmara de hoje. Acredito que, e uma vez que para a maior parte do executivo eleito, estas são situações novas em que se vêem envolvidos, tenha existido uma dose de nervosismo e ansiedade que terá permitido o desenrolar dos acontecimentos, secretamente. Que o futuro seja transparente. Até porque os eleitos são apenas os representantes do povo que os elegeu. E o povo, quando elege alguém em sua representação, exige esclarecimento e transparência. Ao invés de mistérios e secretismos, como se a gestão camarária fosse um clube secreto onde apenas se conhece o seu grão-mestre.  

Apenas quatro palavras:

1 – Uma palavra sobre a abstenção (e que foi abordada na reunião de Câmara). De tudo o que foi transmitido, dizer apenas que, os direitos de Abril conquistados, englobam também o direito (incompreensível é certo) de todos os que decidem não votar; e por isso, independentemente de quem vota e de quem não vota, ao executivo eleito cabe gerir o território em nome de todos os sesimbrenses, de forma igual e justa, onde todos sem excepção terão os mesmos direitos e deveres;

2 – Uma palavra sobre a referência constante (abordada na reunião de Câmara) sobre o “trabalho em prol dos munícipes. Esse trabalho dever-se-ia ter iniciado logo na primeira reunião: com a divulgação pública e publicitada da ordem de trabalhos e, com a transparência e clareza sobre quem é quem em cada um dos pelouros;

3 – Uma palavra sobre a página oficial da Câmara Municipal de Sesimbra. Nas imagens dos vereadores eleitos e que compõem o executivo, surge em segundo lugar o vereador que foi eleito em quinto lugar (terceiro pela CDU) e não, a vereadora que foi eleita em terceiro lugar (segunda pela CDU); será um lapso ou uma qualquer mensagem misteriosa e secreta antecipando um qualquer futuro para 2025?;

4 – Até à hora em que escrevo, e apesar do Presidente reeleito ter afirmado que seriam conhecidos ainda hoje, os vereadores e os respectivos pelouros atribuídos, nada. Nem uma palavra. O mistério continua envolto em secretismo. É de facto, lamentável. Será graças à tão apregoada “coerência”? Ou será uma questão de um foro superior, dado que Jerónimo de Sousa afirmou que “a ordem é para recusar quaisquer acordos pós-eleitorais”? 

A verdade é que existem acordos pós-eleitorais (evidentes da tomada de posse da Assembleia de Freguesia da Quinta do Conde e, na tomada de posse da Assembleia Municipal de Sesimbra). E esses acordos estarão espelhados nos pelouros. Resta saber se dos boatos que correm, contraditórios, quais serão verdadeiros. 

Um novo mandato com um novo executivo tem de facto um mau início: envolto em boatos, suposições e divagações. Como se todos ainda vivessem naquele período de clandestinidade, que terminou na noite de 24 de Abril de 1974, onde tudo era e não era, simultaneamente. Numa palavra: lamentável. Esperemos que tenha sido apenas uma falsa partida. E que a partida válida seja clara e evidente na reunião do próximo dia 26 de Outubro.


(fotografia da página: youtube.com/user/CMSesimbra)

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