DESDE QUANDO É QUE SESIMBRA SE TORNOU NUM REGIME TECNOCRÁTICO?
Há explicações absolutamente fantásticas. E para mim, absolutamente surpreendentes. Começo talvez por dizer que a diferença entre tecnocracia e democracia é abismal. Numa tecnocracia, as decisões sobre a vida dos cidadãos, seja a que nível for, está entregue aos técnicos e aos pareceres que os mesmos emitem. Numa democracia, as decisões sobre a vida dos cidadãos, seja a que nível for, está entregue aos políticos que representam a soberania popular, o cidadão comum, o povo.
Na Constituição da República Portuguesa, logo no seu artigo 1º, é afirmado que (e cito parcialmente): “Portugal é uma República (…) baseada (…) na vontade popular.” E no seu artigo 2º. reafirma que, (e cito novamente parcialmente): “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular (…)”. Em nenhum artigo da Constituição surge a palavra tecnocrata ou tecnocracia. Exactamente porque Portugal “é um Estado de direito democrático.” Não são os técnicos (seja de que especialidade) que exercem um qualquer tipo de poder. É a soberania popular que tem o poder. Porque “o povo é quem mais ordena”. E esta é uma verdade absoluta e inquestionável.
Muitos serão aqueles que estarão lembrados das reuniões de Câmara do final da década de 90 do século passado e inicio do século XXI, onde o então Vereador Augusto Pólvora afirmava várias vezes, perante uma qualquer operação urbanística presente na ordem de trabalhos, que: “tecnicamente, concordo com o que é proposto mas, politicamente, voto contra.”
Augusto Pólvora reunia em si mesmo duas visões. A visão técnica que lhe permitia concordar tecnicamente e, a visão política que, apesar de concordar tecnicamente, o fazia votar contra, politicamente (de acordo com aquela que era a visão política do partido que representava). Confuso? Não. Absolutamente claro. Naquelas reuniões de Câmara e enquanto vereador eleito, votava enquanto político e não, enquanto técnico. Porque, qualquer matéria, qualquer assunto, qualquer tema presente a reunião de Câmara é sempre, sempre, mas absolutamente sempre, uma deliberação política. Aqui e em qualquer órgão deliberativo eleito democraticamente e multipartidário. Porque, Portugal é uma democracia e não, uma tecnocracia. Simples.
Porque é apenas disso que se trata: decisões políticas. Porque se as decisões fossem técnicas, para que serviriam os políticos e as reuniões de Câmara deliberativas? Um parecer técnico é, apenas e só, uma informação consubstanciada na lei e que visa apenas e só, auxiliar a tomada de decisão política. E o exemplo maior será esta pandemia e o número de casos e a subida do valor Rt. Se a decisão fosse técnica, estaríamos provavelmente todos confinados, os restaurantes fechados, as escolas encerradas e as praias vedadas. Mas, como a decisão é política, o confinamento, os restaurantes fechados, as escolas encerradas e as praias vedadas estão, para já, completamente descartados.
Ninguém, nenhum cidadão comum, ou grupos de cidadãos comuns, ou forças politicas ou partidárias, põem em cauda pareceres técnicos ou análises e informações técnicas. Aquilo que é questionável, objecto de participações nas entidades competentes, sujeito a inquéritos e análises processuais, são as decisões políticas tomadas pelo órgão deliberativo. Quer isto dizer que o que é questionado são as decisões políticas tomadas em reuniões deliberativas, nomeadamente das Câmaras Municipais. Nada mais do que isso.
Não existem matérias não políticas. Porque todas as matérias que são presentes a reunião de Câmara são políticas. Explicando melhor com um exemplo simples: quem se propuser construir uma casa com uma área superior a 400m2, essa autorização é sujeita a deliberação política em reunião de Câmara. Não é uma decisão técnica sujeita a um simples despacho administrativo. É uma decisão política tomada pelo executivo eleito. Porquê? Porque qualquer construção com uma área superior a 400m2 provoca impacto na paisagem onde se irá inserir, mesmo se, de acordo com os instrumentos de gestão urbanística, a mesma, tecnicamente, for possível de realizar.
São os políticos eleitos os responsáveis pela gestão do território municipal. E são os políticos eleitos o garante do ordenamento do território urbano e social. Porque, e apesar de um parecer técnico, os políticos eleitos podem votar contra e até, indeferir a pretensão baseados na lei, nomeadamente naquele que é o regime jurídico da urbanização e edificação.
E não querendo transcrever aquelas que são as normas legais em vigor, apenas dizer que qualquer operação urbanística pode ser indeferida pelo executivo municipal se politicamente for considerado que (e cito): “a operação urbanística afetar negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado.” E também pode ser indeferido se (e cito): “a operação urbanística constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas ou serviços gerais existentes ou implicar, para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de serviços por este não previstos, designadamente quanto a arruamentos e redes de abastecimento de água, de energia elétrica ou de saneamento.” E também pode ser indeferido se, (e cito parcialmente): “a obra seja suscetível de manifestamente afetar (…), a estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens, designadamente em resultado da desconformidade com as cérceas dominantes, a volumetria das edificações e outras prescrições expressamente previstas em regulamento.”
E estes motivos de indeferimento são políticos porque, resultam apenas da visão, da consciência, da sensibilidade de cada elemento que compõe o executivo municipal e da estratégia político-partidária de cada eleito. Visão essa, consciência essa, sensibilidade essa, estratégia essa, que é única e exclusivamente política.
Um parecer técnico não é uma opinião política. Um parecer técnico visa apenas verificar a conformidade com a lei. E nalguns casos, muitos são os técnicos que discordam das soluções urbanas apresentadas, apesar destas cumprirem as normas legais em vigor. Mas a um técnico cabe dar informações técnicas e não, opiniões políticas ou politizadas divergentes daquela que é a lei em vigor e aplicável. E até na aplicação da lei em vigor e aplicável, muitos são os técnicos que discordam entre si, sobre a interpretação que fazem desta ou daquela norma legal (e o exemplo maior serão porventura as opiniões jurídicas divergentes e consubstanciadas na mesma lei; veja-se por exemplo as interpretações sobre as restrições à circulação rodoviária que vigoraram).
Sesimbra parece no entanto, socorrer-se apenas de pareceres técnicos para deliberar sobre diferentes matérias. Matérias essas que, sendo deliberadas por unanimidade, têm apenas uma visão técnico-legal e não, política. É a visão política que garante a igualdade social, a igualdade do povo (cidadão comum). Porque “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, sendo que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” ("Princípio da Igualdade" consagrado na Constituição da República Portuguesa).
Quer isto dizer que não são os técnicos (seja de que especialidade) os sábios e soberanos sobre todas as matérias que decidem sobre a vida dos cidadãos comuns. Porque também os técnicos (seja de que especialidade) são apenas cidadãos comuns quando integram as fileiras de povo que vota e elege livre e democraticamente. No fim, somos todos apenas povo. Somos apenas cidadãos comuns com um nome e um número de eleitor. Ninguém, absolutamente ninguém se apresenta numa mesa de voto ostentando o título da sua especialidade. Porque, também naquele momento, é o povo e apenas o povo, “quem mais ordena.”
A menos que nestas eleições autárquicas se introduza uma nova regra completamente revolucionária: o direito de voto será exercido apenas pelos técnicos (seja de que especialidade), dado que, são os técnicos que definem os destinos do território, sendo que os políticos eleitos numa tecnocracia serão apenas robertos que a cada deliberação que tomam, pensam ingenuamente que são os donos do poder, da verdade e da razão.
Que a democracia funcione em pleno e que a tecnocracia não seja chamada ao barulho para justificar uma hipotética desconsideração pelos técnicos competentes e habilitados que constituem os quadros da função pública, nomeadamente da Câmara Municipal de Sesimbra, quando as decisões políticas tomadas são questionadas ou opinadas. E não, não está em causa a idoneidade do executivo. Estão em causa apenas e só, as deliberações políticas que o executivo toma por unanimidade, muitas das vezes sem sequer questionar, sem sequer debater politicamente antes de a votação ocorrer. O que é estranho, digo eu, dado que o executivo é multipartidário.
A verdade é que os políticos e a política também vivem destas opiniões que um qualquer cidadão comum, grupo de cidadãos, forças politicas e/ou partidárias introduz na praça pública. Chama-se democracia, porque “a opinião do cidadão comum vale o que vale.” E é essa “opinião do cidadão comum” que “vale o que vale” para eleger órgãos autárquicos, órgãos nacionais e até, órgãos europeus. Aqui e em qualquer sítio da Europa e em grande parte do mundo que é democrático e livre.
Sobre a imagem que ilustra este post. Trata-se de um roaz, de um golfinho-roaz. Por vezes surge nos mares de Sesimbra, e até recentemente, surgiu com algumas das suas muitas primas: as orcas. Não é um golfinho-delfim. Mas, é um seu parente. Afastado, mas parente. Em Sesimbra não aparecem golfinhos-delfins. Aliás, o único delfim que me lembro é o Miguel Ângelo, mas esse é da baía de Cascais. Aqui, na baía de Sesimbra, o que aparecem são roazes, golfinhos-roazes.
FONTE DA IMAGEM: bus2u-go.com
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