CAPELA DE SÃO SEBASTIÃO – SESIMBRA
Se bem me recordo, o primeiro monumento do concelho de Sesimbra a ser intervencionado foi o Castelo de Sesimbra. Seguiu-se a Capela do Espírito Santo dos Mareantes, a Casa do Bispo, a Fortaleza de Santiago e, a Casa da Água no Cabo Espichel. É agora a vez da Capela de São Sebastião (e a fasquia está alta 😊 em especial depois do excelente trabalho desenvolvido na Fortaleza de Santiago).
Na página da Câmara, (notícias de Julho e Novembro.2020), é referido que esta obra é, e cito: “por um lado, uma forma de preservar a memória coletiva e a vasta história deste território e, por outro, uma estratégia de valorização do município em termos turísticos. Construída no século XV, a Capela de São Sebastião é um dos edifícios mais antigos da vila de Sesimbra.” E avança dizendo que a Capela de São Sebastião tem um carácter simbólico, estando “intimamente associado à história de Sesimbra.”
E de facto, assim é. Imaginem então a vila de Sesimbra apenas com barcos de pesca na sua baía. A única estrada existente, em linha recta, ligava a praia ao Castelo (Porta do Sol). Era dentro das muralhas que o povo vivia. Subiam e desciam as actuais ruas Cândido dos Reis e Concelheiro Ramada Curto. E a única construção que encontravam na subida/descida, era a Capela de São Sebastião. E porquê? Porque de uma maneira geral, as capelas dedicadas a São Sebastião surgem entre as povoações e o mar. Era do mar que chegava o perigo nas mais diferentes formas, nomeadamente doenças. Uma vez que São Sebastião é o patrono contra a peste e a fome, as pessoas acreditavam que, ao passarem pela Capela, ficariam purificadas e protegidas contra doenças.
Diz a mesma notícia da página da Câmara que a Capela será recuperada. Repondo, executando e restaurando os diferentes elementos que a compõem. E faço aqui uma sugestão: sendo o primeiro e único local de culto (naquela que veio a ser a Vila de Sesimbra), marcando inegavelmente o desenvolvimento da actividade ligada à pesca, e definindo o início da ocupação humana da baía de Sesimbra, porque não proceder a um registo vídeo semanal, com partilhas mensais na página e redes sociais da Autarquia, para que os sesimbrenses possam acompanhar os trabalhos da Capela que esteve na origem da formação da Vila de Sesimbra? Mostrando a evolução da obra, os restauros efectuados, os eventuais achados arqueológicos,… com breves explicações e enquadramentos históricos? Uma espécie de diário de obra digital, que fique para memória futura, mostrando técnicas construtivas e soluções adoptadas perante a realidade existente? Não será uma sugestão inédita nem inovadora mas, com toda a certeza, seria um contributo para a memória da identidade sesimbrense. Fica a ideia.
A mesma notícia refere que, para além da recuperação da Capela de São Sebastião, estão previstas outras intervenções nomeadamente no anexo nascente, para o necessário apoio logístico (que engloba um logradouro que será transformado num pequeno jardim).
Mas é a outra intervenção prevista (entre a Capela e o Cemitério) que me causa alguma surpresa e indignação. E vou explicar porquê:
Se a ideia de recuperar a Capela de São Sebastião foi a de “preservar a memória coletiva e a vasta história deste território” então, que essa memória colectiva seja de facto respeitada. Não podem ritos centenários ser anulados, ou substituídos, sem que a população sesimbrense tenha uma palavra a dizer sobre os mesmos. Porque a vila de Sesimbra é dos sesimbrenses, dos pescadores e armadores; foram eles que a construíram; foram eles que nos deram os mitos e ritos; foram eles que construíram a fé na imagem do Senhor Jesus das Chagas; foram eles, os mandadores das armações da Vila que, em 1741, recuperaram a Capela de São Sebastião (esta inscrição era visível na parede da entrada perto da pia de água benta). Ou seja, ainda no século XVIII, os armadores de Sesimbra prestavam culto a São Sebastião na respectiva Capela! E por isso, os sesimbrenses terão uma palavra a dizer perante a mudança que se avizinha.
Para quem não sabe, os funerais na vila de Sesimbra, saem da Capela Mortuária ao lado da Igreja da Santa Casa da Misericórdia. E quando é chegado o momento da partida, dezenas de pessoas acompanham quem parte, naquele que é o seu último caminho terreno. O funeral contorna o jardim, sobe a rua Rainha Dona Leonor (ali, paredes meias com a Capela do Espírito Santo dos Mareantes), vira à direita pela Cândido dos Reis e entra no Largo Movimento Forças Armadas, contornando a Igreja de Santiago e subindo por fim, na direcção da Capela de São Sebastião.
No livro que escrevi (PEDRA ALTA), algumas páginas são dedicadas à Vila de Sesimbra, nomeadamente aos seus locais de culto. Partilho aqui apenas uma passagem:
“E foi sobre este eixo que ergueram os seus locais de culto (…) segundo uma linha recta, ligando o ponto mais alto ao ponto mais baixo, a montanha ao mar, o céu à terra.”
E os sesimbrenses, no seu último adeus, passam à porta de todos os locais de culto da Vila de Sesimbra: Capela do Espírito Santo dos Mareantes, Igreja de Santiago e Capela de São Sebastião. Porque são estes, os três locais de fé de uma memória perdida no tempo, subsistindo naquele que é o rito de maior dor: a morte de um pai, de uma mãe, de um filho, de um familiar, de um amigo,...
E nesse respeito pela dor, as dezenas de pessoas caminham a pé e em silêncio, atrás do carro funerário, ao som do toque dos sinos da Igreja de Santiago. Todo o comércio existente na rua Rainha Dona Leonor e na rua Cândido dos Reis fecha portas, em sinal de respeito por quem parte e por quem sofre a dor da perda.
Todos os automobilistas que ficam retidos na rua Cândido dos Reis permanecem em silêncio, aguardando que o funeral faça o seu caminho. E também eles, em respeito por quem parte e por quem sofre a dor da perda.
E é esse respeito que merece respeito (perdoem-me a redundância).
Com as obras da Capela de São Sebastião, está prevista a construção de, e cito novamente a notícia da página da Câmara: “uma nova capela mortuária, que substituirá as atuais instalações anexas à capela da Santa Casa da Misericórdia, no Largo 5 de Outubro.”
Ou seja, a última despedida passará a realizar-se ao lado da Capela de São Sebastião e, o rito de dor e de perda que acompanha o funeral, ficará reduzido a poucos metros de caminho, entrando logo ali à frente, na porta do cemitério.
Na Capela de São Sebastião, mesmo ali ao lado, o programa definido será o de (e cito): “promover o seu usufruto por parte da comunidade.” Em que termos? Não é dito.
Pergunto: Será que a Capela de São Sebastião irá ser mais um dos locais de culto da vila de Sesimbra? Eventualmente com missas, baptizados e casamentos? Diz a mesma notícia que a Capela “em 1911, mediada pela lei da separação dos bens da Igreja, acabou por ser entregue à Câmara Municipal.” Pergunto: irá a Câmara, em 2021, entregar a Capela de São Sebastião à paróquia de Sesimbra para que seja a paróquia a gerir o espaço e as diferentes actividades religiosas a realizar? E será uma doação ou um arrendamento (simbólico claro 😊)?
Ou será que, à semelhança da Capela do Espírito Santo dos Mareantes, a Capela de São Sebastião irá integrar a rede museológica do Concelho? E será que esse novo museu (e estou a divagar porque o programa não revela o que quer dizer com “usufruto por parte da comunidade”) irá mostrar por exemplo, a imagem de São Sebastião (actualmente na Capela do Espírito Santo dos Mareantes)? Ou divulgar a Visitação de D. Jorge de Lencastre de 1516, revelando que a Capela estava forrada de azulejos? Ou ainda a carta de privilégios de D. João I aos pescadores de Sesimbra? E até quiçá, um excerto do foral de D. Sancho I, referindo em 1201 a pesca em Sesimbra?
E será que também, à semelhança da Capela do Espírito Santo dos Mareantes, a nova Capela de São Sebastião será palco para receber teatros, apresentações, debates e peças musicais? Isso é que seria inédito: um velório acompanhado pelo som de uma harpa! Fino.
Não quero acreditar que seja a Santa Casa da Misericórdia a solicitar a anulação da Capela Mortuária. Mas, se assim for, deveria a Santa Casa da Misericórdia emitir um esclarecimento público sobre o porquê dessa vontade.
Mas se, a justificação para anular a Capela Mortuária ao lado da Igreja da Santa Casa da Misericórdia, é o impacto que um rito de dor e despedida, a atravessar a Vila, provoca nas dinâmicas do turismo. Nada melhor do que utilizar um provérbio popular para os turistas: “em Roma sê romano”. Ou seja, respeita a cultura e a crença do povo que visitas! Perdoem-me o tom.
Será que é só a mim que esta alteração (anular a Capela Mortuária da Misericórdia e mudar o curso dos funerais sesimbrenses) provoca alguma surpresa e indignação? É claro que esta é apenas a minha surpresa e indignação. E provavelmente esta decisão foi ponderada e concertada. E terá com toda a certeza uma justificação óbvia e coerente. Mas caramba, não merecem os sesimbrenses conhecer a alteração que vai mudar para sempre um rito centenário?
É só a minha opinião e como é óbvio, completamente criticável. Mas, sendo a minha opinião, os sesimbrenses deveriam ter uma palavra a dizer sobre o facto da nova Capela Mortuária ficar ao lado da porta do cemitério e o trajecto do funeral ser completamente anulado. Acresce que esta mudança é apenas referida, quase secretamente, no meio de um texto com o nome: “Recuperação da Capela de São Sebastião”. E não é só disso que se trata.
E por isso, faço outra sugestão: que a página da Câmara apresente uma nova notícia com o título:
“Encerramento da Capela Mortuária anexa à Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra e anulação do percurso centenário dos funerais sesimbrenses.”
Explicando as razões e porquês. E explicando também que, a nova Capela Mortuária ficará mesmo ao lado do portão do cemitério, onde serão realizados os velórios (que com sorte não irão coincidir com nenhuma acção de “usufruto por parte da comunidade” da Capela de São Sebastião) e que, o funeral depois de sair, entrará de imediato no cemitério (dado que a distância se resume a poucos metros, não sendo sequer necessária a utilização do carro funerário).
E já agora, explicando também o que significa a frase “Na zona de recepção e nova capela mortuária está ainda prevista a criação de uma área funerária alternativa com uma estrutura metálica ligeira e reversível.” Ou seja, para além da nova Capela Mortuária será prevista “uma área funerária alternativa”? E o que será “uma área funerária alternativa"?
E ainda outra explicação importante: o que raio quer dizer “usufruto por parte da comunidade” da Capela de São Sebastião?
E uma pergunta: destas obras inerentes à Capela de São Sebastião, faz parte a anulação de cabos eléctricos e postes do século passado, substituindo-os por nova iluminação pública (com cablagem enterrada) e que enalteça a Capela de São Sebastião?
E uma ideia: para quando a revitalização da rua Cândido dos Reis e da rua Concelheiro Ramada Curto, enaltecendo e revitalizando, até às muralhas do Castelo (Porta do Sol), aquela que foi a primeira via de acesso à praia de Sesimbra, com referências históricas e marcantes no território sesimbrense? Como elemento estruturante para o desenvolvimento urbano da Vila de Sesimbra e como caminho cheio de significados e por isso, constituindo-se como uma verdadeira experiência turística, divulgadora da memória e identidade do povo sesimbrense?
E só porque me lembrei agora: para quando a recuperação do Forte de São Teodósio? Promovendo o seu “usufruto por parte da comunidade”? Talvez numa acção conjunta com a revitalização do Parque de Campismo do Forte do Cavalo? E para quando a recuperação da Casa do Infantado na Lagoa de Albufeira? Talvez como centro interpretativo da maior laguna da península?
E como parece que a dinâmica de reabilitação do património municipal mudou (e não quero voltar ao Cabo Espichel), até sou capaz de sugerir um programa do estado que prevê a “valorização do património edificado e natural incluído em espaços naturais.” Chama-se «Fundo Revive Natureza». Fica a ideia. 😊
FONTE DA IMAGEM: google.pt/maps
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