ÁRVORES EM SESIMBRA
Com os estudos dendrocronológicos é possível saber a idade de uma árvore, pelo número de anéis que o tronco da mesma possui. E com os vários estudos que são efectuados, foi possível estabelecer uma variável média que permite datar as árvores que existem no planeta, sem as abater. E também é possível datar obras de arte (pinturas, esculturas, peças de mobiliário), fundamentando a autoria e a época de realização das mesmas. Recentemente, em Sesimbra, num trabalho realizado sobre uma obra de Gregório Lopes que integra a exposição patente na Capela do Espírito Santo dos Mareantes: Nossa Senhora da Misericórdia, ficou a saber-se que a madeira utilizada como suporte da pintura data de 1538, coincidindo com o período de actividade do pintor Gregório Lopes.
Num documentário transmitido há algum tempo mostrou-se a árvore mais antiga do mundo, com 5 milhões de anos, sendo afirmado que, existem mais árvores no planeta Terra do que estrelas na nossa galáxia.
Vem isto a propósito do Dia da Árvore. E é neste dia que a árvore é valorizada, respeitada, admirada, bem tratada, exaltada, fotografada,... sendo que ocorrem várias iniciativas nomeadamente, plantar árvores em determinado sítio, em iniciativas ambientalistas ou em iniciativas de grupos de cidadãos ou envolvendo as crianças.
Depois… bem depois entra-se naquilo que já parece ser uma rotina: podar, cortar e abater árvores indiscriminadamente um pouco por todo o lado. Seja por causa das lagartas, seja por causa do lixo que as folhas fazem no chão, seja por causa dos fogos, seja por outras causas que surtem nalgum tipo de ganho financeiro. A verdade é que todos nós, quase diariamente, assistimos ao abate de árvores sem qualquer tipo de justificação.
E o que dizer dos abates efectuados ao longo das estradas, com o pretexto da limpeza e protecção das vias face ao perigo dos fogos? Ou das pinhas que podem cair sobre os carros? E nos terrenos que, por terem árvores, são completamente arrasados por causa dos fogos? Ou por causa das lagartas? E daquelas limpezas que fazem de ribeiras e taludes? Ainda não perceberam que são também as árvores que mantêm a estabilidade das terras dos taludes e das ribeiras? As estradas, os terrenos, os taludes e as ribeiras podem e devem ser limpos. Sabendo-se que «limpar» não é sinónimo de «abater».
Ouvi há uns anos numa reportagem que, em 2050, as crianças só iriam saber o que eram árvores através de fotografias. Na altura achei esta uma declaração surreal. Hoje não tenho tanta certeza disso. E Sesimbra, sendo um Concelho verde, parece caminhar para essa realidade surreal de 2050.
Lembro-me de um ano, na escola primária, plantarmos uma pequena árvore no espaço do recreio. Para assinalar o dia. E a árvore foi crescendo, tornando-se numa referência do espaço de brincar. Há uns anos, uma máquina derrubava a árvore. Porque a escola ia ser ampliada, disseram-me. Aquela não era só uma árvore. Era a ‘nossa’ árvore. O caricato é que, a ampliação da escola não tocou sequer no local onde estava a árvore.
Recentemente, à entrada de Sesimbra, foram abatidas várias árvores para montar o estaleiro de uma obra. Hipoteticamente, o único local existente com capacidade de receber o estaleiro era exactamente onde estavam as árvores (de grande porte) há pelo menos cinco décadas! Curioso!
Alguém é capaz de entender por exemplo, as podas e cortes que são realizadas no início do Inverno às árvores que estão ao longo da Av. da Liberdade e no Jardim de Sesimbra? Hoje, Dia da Árvore, e conforme se pode observar na fotografia de capa deste post, as árvores que sofreram estes cortes, com a entrada da Primavera, nem uma folhinha verde têm.
Confesso que costumo dizer que, até no Natal, Sesimbra é revolucionária e, aproveitando uma frase sobre aquilo que dizem ser PAMUS, “um grande exemplo para futuro daquilo que deve ser feito nestas áreas.” Porquê? Porque no resto do planeta, as árvores que ladeiam avenidas e jardins são iluminadas e transformadas em Árvores de Natal. Em Sesimbra, as árvores são podadas e cortadas, dando lugar a Troncos de Natal!😊
Imaginem por exemplo a Avenida da Liberdade em Lisboa, no Natal, com as árvores todas podadas e cortadas. Ou a rua Ferreira Borges, (uma rua mais estreita) com as árvores todas podadas e cortadas, e cheia de Troncos de Natal! Ou os jacarandás da Av. D. Carlos I? Ou as árvores do Jardim do Príncipe Real? Meu Deus. Não há palavras.
Conforme já referi noutros posts, no Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas da Área Metropolitana de Lisboa, das vulnerabilidades identificadas para o Concelho de Sesimbra surge o «calor excessivo». E uma das medidas para combater o «calor excessivo» (que se fará sentir nos próximos 40 anos) será plantar árvores. Pinheiros! Porque são frescos, resinosos, produzem oxigénio e absorvem CO2!
Espero sinceramente que Sesimbra, (e se não for antes, que seja em Agosto de 2022), quando tiver concluído o seu Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, mude radicalmente de estratégia política sobre esta matéria. E que acabem de vez as podas, os cortes e os abates sem qualquer tipo de razão ou fundamento.
Partilho aqui algumas palavras de António Reis Marques sobre os pássaros de Sesimbra:
“Estávamos conversando ao entardecer de um dia primaveril quando, de súbito, a quietude do lugar se altera com o ruído da chegada dos pardais que se recolhiam, para seu repouso, nos ramos dos altos eucaliptos que circundavam o recinto. Eram às centenas e vinham de todos os lados, em contínuas revoadas e num chilreio frenético que se mantinha mesmo quando já empoleirados. Ia-se aproximando a hora do crepúsculo, e é então que se dá o curioso fenómeno em que, numa simultaneidade impressionante e como se fossem elementos de um coro obedecendo à batuta do maestro, todos os pássaros param a chilreada, tudo se cala e cai no mais completo silêncio. É apenas um instante, mas um instante surpreendente, naquela hora mágica, tão propícia à meditação, quando a chegada da noite obscurece os últimos raios solares, que as aves se calam depois dos seus cânticos de despedida da luz, que se oculta até voltar a raiar na manhã seguinte.”
Também eu já presenciei este “curioso fenómeno”, quando milhares de pássaros recolhem às copas das árvores do Jardim de Sesimbra antes do cair a noite. E num barulho ensurdecedor, ao último raio de sol, todos se calam em simultâneo. Mas o que eu também já presenciei foram os milhares de pássaros que recolhem, como habitualmente, ao Jardim de Sesimbra antes do cair da noite mas, as copas das árvores desapareceram. E é ver milhares de pássaros desorientados, perdidos, procurando um refúgio para a noite que se avizinha. E é nesse dia, em que a copa das árvores desaparece, que depois do cair da noite, ainda se ouvem pássaros “num chilreio frenético” como que dizendo: o que raio aconteceu?
O ser humano não é o dono da natureza nem do planeta. O ser humano é apenas mais um ser vivo do planeta. Mas é também o único capaz de o dizimar. Mas sendo também o ser vivo mais inteligente, é chegado o momento de utilizar essa inteligência para manter a sua própria sobrevivência, respeitando a natureza e todas as formas de vida. E o exemplo deve vir, em primeiro lugar, daqueles que gerem o território municipal. Adoptando um conjunto de boas práticas que potenciem na comunidade, o cumprimento das regras preconizadas. Porque se as árvores fazem lixo, o que dizer do ser humano? Talvez explicando com uma verdade absoluta: as árvores não precisam do ser humano para viver mas, o ser humano, precisa das árvores para respirar e viver.
Somos um país verde! Somos um concelho verde! As árvores, fonte de inúmeros problemas (fazem lixo, provocam fogos, os pinheiros têm as lagartas,…), são essenciais para a nossa sobrevivência enquanto espécie, assegurando a biodiversidade do planeta. E será (outra vez) a Revisão do PDM que permitirá penalizar e regrar estes abates, cortes e podas. Sesimbra tem um património natural que não sabe, ou não quer, valorizar. Potenciando-o turisticamente mas também como grande activo económico, rentável, ordenado e sustentável.
Convém por fim relembrar que o executivo municipal é composto por sete elementos. Quatro são da coligação PCP/PEV, conhecida por CDU. No entanto, nenhum dos vereadores da coligação CDU pertence ao PEV. E pergunto: se é uma coligação (CDU), um dos quatro vereadores não deveria, ou melhor, não teria de ser PEV? Um vereador do PEV no executivo da coligação CDU lutaria pelos ideais que defende: a ecologia, a sustentabilidade, a biodiversidade, a conservação da natureza e dos seus recursos naturais. Talvez esta evidência explique muito do que vai acontecendo à nossa volta. E também muito do que não acontece.
Termino referindo apenas que o tronco cortado que fotografei (em baixo) tem mais de metro e meio de diâmetro. E bastará contar os anéis. Mas caramba, vão plantar outras árvores melhores e mais bonitas! (estou a ironizar) E por antítese, uma fotografia da única árvore do concelho de Sesimbra, classificada como árvore de interesse nacional: um pinheiro manso centenário, com uma copa de 30m, uma altura de 22m e um diâmetro superior a quatro metros!
E um conselho: se por um acaso estiver prevista alguma iniciativa escolar sobre o Dia da Árvore, não ponham alunos do ensino básico a plantar árvores sem que esteja garantido o não abate das mesmas. Pelo menos nos próximos 100 anos (e já estou a contar com a subida da esperança de vida dos seus pequenos plantadores).
E aproveitem a ocasião, se por um acaso as iniciativas se realizarem no Parque Augusto Pólvora, de ensinar às crianças a idade das árvores, utilizando para esse fim os troncos que lá ficaram, depois de terem cortado árvores com mais de meio século. E expliquem-lhes porque é que as cortaram. E até consigo imaginar a resposta: É para fazer o estacionamento. E depois plantamos outras árvores quaisquer, mais bonitas.
Valha-nos Deus.
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