DIA DE SANTO ANTÓNIO... E ÁLVARO CUNHAL, FERNANDO PESSOA, VASCO SANTANA,...

E pela primeira vez, os arraiais, as marchas e os casamentos, foram cancelados. Tudo por causa do vírus que continua por aí, à espera de uma distracção em massa. E desta vez, para além do Santo António, até os manjericos perderam protagonismo.

E aproveitando este ano de excepção, é altura de referir oito grandes da história nacional e que, por coincidência de data, passam quase despercebidos, nesta azáfama de santos populares que invadem os canais de televisão, horas consecutivas. 

1. Começo com a frase: “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto”. Fernando Pessoa. Festejava os anos a 13 de Junho. E talvez contar dois episódios, porventura dos mais desconhecidos: 
- Em 1928, a bebida gaseificada Coca-Cola começou a ser comercializada em Lisboa e foi Fernando Pessoa o autor da frase publicitária da nova bebida: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. 
- Por algumas vezes, Fernando Pessoa assinou poemas e cartas com o nome “Íbis”. Íbis é uma ave associada ao deus Tot do Egipto Antigo, representado com corpo de homem e cabeça de Íbis. O deus Tot era o escriba dos outros deuses, o inventor da escrita, o deus da sabedoria. Por vezes, Pessoa imitava a ave no meio da rua, equilibrando-se numa perna, com uma mão para a frente e a outra para trás. E naquela posição anunciava: “agora sou um Íbis”. À tipografia que teve em Lisboa, chamou-lhe “Íbis”. 

2. Uma das crateras do planeta Mercúrio tem o nome da artista plástica: Maria Helena Vieira da Silva. Nasceu em Lisboa, num dia 13 de Junho. E foi em Lisboa que quis criar um Centro de Estudos e investigação dedicado à sua obra e do seu marido, o pintor húngaro Árpád Szenes. E é na colecção do Museu que se podem contemplar várias obras de Vieira da Silva, de diferentes anos e temas. É considerada uma das mais importantes pintoras europeias da segunda metade do século XX.

3. Gostava de andar pela cidade a desenhar os edifícios. Também pintava. Tinha por Velásquez uma verdadeira adoração e dizia entender “a pessoa que esteja ali quatro horas a olhar para aquilo”. A paixão pelas artes plásticas quase fez de Vasco Santana, arquitecto! Não fosse o acaso, naquele domingo de touradas: subia a Avenida da Liberdade a caminho do Campo Pequeno, quando alguém o chamou para resolver uma emergência; o Artur Rodrigues estava doente e teria de ser ele a substituí-lo. Vasco Santana sabia o papel de cor, resultado da quantidade de vezes que tinha assistido à peça. Terá respondido: “Vocês estão malucos com certeza, eu posso lá fazer uma coisa dessas?” Convenceram-no a entrar em palco e desempenhar o papel… e correu bem! Passam 62 anos sobre a sua morte, num dia 13 de Junho. Para a história ficaram os filmes, as personagens e  frases como esta: “Chapéus há muitos, seu palerma!” 

4. Com onze irmãos, cresceu apaixonado pela música e pelo folclore e, aos 13 anos, partiu para Lisboa. Atrás da vida, do sonho, da música. António Variações. Foi cabeleireiro. Mas foi a sua excentricidade e a sua música que o tornaram imortal. E hoje ainda é tido como uma influência na música portuguesa, ao ter criado um estilo próprio e diferente de tudo o resto. Partiu num dia 13 de Junho, há 36 anos. Em 2004, sete músicos portugueses (Manuela Azevedo, Camané, David Fonseca, Nuno Rafael, Helder Gonçalves, João Cardoso e Sérgio Nascimento) constituíram a banda “Humanos” e lançaram um álbum com canções inéditas de Variações. Recentemente o actor Sérgio Praia transmutou-se e renasceu “Variações”. 

5. “Anda Pacheco!”. Passam 27 anos sobre a morte de Hermínia Silva. Num 13 de Junho. Foi quase costureira, não fosse a veia artística para representar e cantar. Estreou-se no Parque Mayer e, aos 85 anos ainda cantava naquela que era a sua casa: “Solar da Hermínia”. Trouxe para o Fado e para a guitarra portuguesa, o “fado musicado” tal como hoje é entendido. É considerada um dos três nomes maiores da Canção Nacional, com Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro. Foi aclamada na sua Lisboa, chegando a actuar no Brasil e em Espanha. Mas, o medo de andar de avião fê-la recusar muitos contratos internacionais…

6. Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares. Poeta e pintor português. Irreverente. Excêntrico. Provocador. Formou-se em pintura mas, decidiu dedicar-se à escrita. Partiu num dia 13 de Junho. A antologia do seu trabalho (1974-1986) “O Medo” é a sua obra maior.

7. Há exactamente 15 anos, no dia 13 de Junho, partia Álvaro Cunhal. E que dizer sobre aquele que foi um dos pais da democracia e do estado de direito democrático pós 25 de Abril? Talvez falar do facto de ter estado preso 15 anos. E durante esse período, escreveu romances, traduziu e ilustrou uma das grandes obras de Shakespeare (“Rei Lear”) e, desenhou. E é sobre os desenhos que recaem as minhas palavras. Álvaro Cunhal poderia ter sido artista plástico se, e nas suas palavras, “o absorvente empenhamento noutra direcção de actividade” não o tivessem ‘desviado’ de uma carreira ligada às artes. E concluía dizendo que “o que não foi possível já não o será”. No entanto, a política, os livros, as ilustrações e os desenhos fazem parte da sua vida, da sua memória. Como politico, escritor e artista plástico.

8. Nasceu José Fontinhas. Morreu Eugénio de Andrade. A 13 de Junho de 2005. Escreveu os seus primeiros poemas com 13 anos tendo, dois anos depois, enviado alguns deles a António Botto que o quis conhecer, depois de os ler, incentivando-o a continuar. Foi funcionário público durante 36 anos. Era um homem recatado, longe da ribalta da vida pública. Miguel Torga, Eduardo Lourenço, Agustina Bessa Luís, Teixeira de Pascoaes, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Mário Cesariny, Siza Veira... são só alguns dos nomes dos seus amigos. E num mundo que se revela cada vez mais assustador, termino com um dos seus muitos poemas: 
É URGENTE O AMOR
É urgente o amor. / É urgente um barco no mar. / É urgente destruir certas palavras, / ódio, solidão e crueldade, / alguns lamentos, / muitas espadas. / É urgente inventar alegria, / multiplicar os beijos, as searas, / é urgente descobrir rosas e rios / e manhãs claras. / Cai o silêncio nos ombros e a luz / impura, até doer. / É urgente o amor, é urgente / permanecer.

E viva o Santo António! Que a 13 de Junho deixava o mundo terrestre e passava para o mundo celeste. Há exactamente 789 anos. 

E que este ano, as celebrações ocorram calmamente. Para que possamos todos voltar à normalidade. Com manjericos e quadras populares!

Com os bairros populares a abarrotar! 
Com marchas, arcos e balões! 
Com o cheiro às sardinhas assadas no pão a pingar! 
Com amigos e tradições! 


(peça do artista sesimbrense André Semblano: Santo António, sermão aos peixes) 

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