EUTANÁSIA
Vivemos na ilusão de que controlamos as nossas vidas. As nossas vontades. Acreditamos que somos nós, independentes e autónomos, que decidimos o nosso caminho. Somos nós que tomamos as decisões que, em determinado momento, nos parecem as melhores para a nossa vida.
Há quem lhe chame “livre arbítrio”, aquele dom divino que o Criador nos deu. Podemos tomar as rédeas de nós próprios e seguirmos por onde quisermos. Livres. Decidimos para onde vamos, para onde não vamos, o que queremos e o que não queremos. Tomamos decisões sobre isto e sobre aquilo, de acordo com a nossa vontade e pensamento. E que ninguém, absolutamente ninguém, nos diga o que fazer, ou interfira nas decisões da nossa vida.
Temos tatuado na nossa mente as palavras de José Régio, mesmo que inconscientemente:
“Não, não vou por aí! Só vou por onde me levam os meus próprios passos… (…) Ninguém me diga: “Vem por aqui!”. “
Somos os donos de nós. Do nosso ser. Da nossa vida. E a única certeza que temos é a de que a vida termina com a morte. E não há nada que se possa fazer para a evitar. E não conheço ninguém que não deseje uma morte sem dor e sem sofrimento. Parece-me até que é o desejo universal de qualquer ser humano.
A verdade é que, mais do que com a morte, o ser humano preocupa-se com a vida, no sentido de a prolongar. A ciência avança e encontra antídotos para muitas doenças que, naturalmente, nos tirariam a vida. Faltará avançar para uma ciência que cure todas as doenças e nos assegure a vida eterna. Utopias.
A pergunta que se põe: se cuidamos da nossa vida (incluindo o que nos devem fazer quando morremos), porque é que não podemos cuidar da nossa morte, numa situação terminal e incurável?, numa situação em que a ciência não tem soluções? Com dignidade. Mas acima de tudo, com humanidade. Sem dor. Sem sofrimento. Sem degradação. Sem humilhação. Sem dependência de tudo e de todos.
Não podemos decidir sobre a nossa vida, numa doença terminal, com dor, sofrimento e incapacitante? Não. Aquele desejo universal de morrer sem sofrer é apenas uma ilusão. Porque se o destino estiver traçado para que morramos com dor e sofrimento, nada podemos fazer. Resta-nos aguentar. E enquanto a matéria resistir, estamos ali, presos, conscientes, a ver a nossa própria degradação… A não ser que a conta bancária nos permita ir para um outro país morrer com dignidade e humanidade.
A eutanásia é um direito universal de todo e qualquer ser humano. Temos o direito de decidir sobre a nossa vida. Não é isso que fazemos durante todos os dias da nossa existência física e terrestre? Ao contrário de algumas vozes que se levantaram, considero que a eutanásia é uma evolução da humanidade. E ninguém quererá morrer se se sentir vivo, digno e humano.
Respeitemos o “livre arbítrio” de cada um. Esse dom divino que o Criador nos deu para que a nossa vida seja, acima de tudo, viva!
Porque descriminalizar a eutanásia não é torna-la uma obrigação. Como se fosse um imposto que todos temos de pagar. Nada disso. Descriminalizar a eutanásia é apenas e só dar o direito a qualquer ser humano de poder fazer essa escolha. E apenas numa situação terminal e dentro de uma série de requisitos obrigatórios. E não tem nada a ver com cuidados paliativos.
É bom que todos participem na discussão. E porque todo o ser humano é dotado de pensamento, de raciocínio, façam a vossa própria análise. Tenham a vossa opinião. Sem influências exteriores. Vocês, apenas vocês, a decidirem sobre a vossa vida. Como fizeram sempre, ao longo da vossa existência terrena.
E não embarquem em opiniões absurdas, de pessoas e instituições com responsabilidades sociais (e que vão sendo transmitidas pela comunicação social) dizendo, por exemplo, que os “médicos deixarão de tratar os doentes vivos para matar pessoas que cheguem a um hospital e peçam para morrer”. E afirmam grotescamente que “o hospital não se pode transformar num matadouro”.
O mais lamentável sobre estas e outras declarações, é a utilização do espaço que têm na sociedade para inflamar sem explicações, uma opinião pessoal em detrimento de uma discussão global. Ouvindo o outro, partilhando ideias. Respeitando a opinião de cada um. Sem impor um conceito, uma ideia, uma posição. E demonstrando acima de tudo, uma total falta de conhecimento sobre o tema.
E sobre as propostas que vieram a debate no parlamento, seria bom que todos (sem excepção e antes de qualquer opinião mais ou menos inflamada) as lessem. Sem qualquer tipo de influência politica ou partidária. Leiam-nas apenas como propostas anónimas, sem conotações com o partido A ou com o partido B. O que quero dizer é que as leiam de uma forma isenta. E pessoal. Que todos tenham opinião. E que a decisão da humanidade seja, acima de tudo, humana.
Quanto ao parlamento, as cinco propostas apresentadas foram aprovadas. O voto foi individual e dos 230 deputados, a maioria votou favoravelmente. A proposta mais votada foi a do PS, com 127 votos a favor, 86 contra e 10 abstenções (7 deputados não estavam no parlamento). Desce à comissão de especialidade para elaboração de um único documento. Nova votação final no parlamento. Remissão para Belém… veto? Tribunal Constitucional? Aguardemos.
O debate, com mais ou menos fervor de cada um dos deputados, teve algumas frases que, sem identificar a bancada parlamentar/deputado que as proferiu (propositadamente), repito textualmente:
“Decidimos hoje se todos, ricos e pobres, têm o mesmo direito a um fim de vida digno.” ― “A vida é um dom que só ao próprio pertence.” ― “O debate hoje é sobre empatia, sobre a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.” ― “Não há vidas mais dignas do que outras.” ― “Cada pessoa é, desde que não prejudique terceiros, a arquitecta livre do seu destino.” ― “Impor o dever de viver é uma afirmação de intolerância; é desumano.” ― “Ajudar a morrer serena e tranquilamente é uma atitude de elevado valor moral.” ― “Ninguém é obrigado nem incitado a antecipar a morte.” ― “Não existe o dever ou obrigação de viver.” ― “A vida não é só um passar de tempo entre o princípio e o fim.” ― “Ninguém devia poder decidir a nossa vida, por nós.” ― “Um país não pode criar instrumentos legais para ajudar a morrer.” ― “A morte não é um direito.” ― “A vida é inviolável.” ― “Sendo a nossa vida, deve ser competência nossa decidir o que fazer com ela.” ― “Sou por um estado que não queira moralizar a sociedade.” ― “Ninguém deve ser obrigado a definhar até deixar de ser.” ― “É uma questão de humanidade e compaixão.” ― “Esta é uma questão de direitos humanos.” ― “Não há vidas humanas mais ou menos dignas; a vida tem sempre o mesmo valor.” ― “A eutanásia não é, nem será nunca, um tratamento.” ― “Não se trata de matar, não se trata de decidir pelo outro; trata-se de humanismo, compaixão e amor.” ― “A vida é um direito mas não é uma obrigação viver para além do sofrimento suportável.” ― “Não há lugar para nenhuma arrogância quando tratamos da vida e da morte.” ― “Quem somos nós para julgar o sofrimento dos outros?” ― “Ninguém decide morrer porque sim.” ― “Merecemos cada um e cada uma morte que não nos desumanize.” ― “A eutanásia não é uma opção terapêutica.” ― “Foi por vontade de outros que nascemos; que não aconteça o mesmo com o nosso projecto de vida e de morte.” ― “Há quem não queira deixar de ser quem era; que o código penal não o impeça.”
Registe-se que apenas um partido impôs disciplina de voto. Os deputados dos restantes partidos votaram livremente. Porque não se trata de matéria política. Trata-se de matéria de direito humano e como tal, e acima de tudo, todos têm o poder e o direito de exercer o seu “livre arbítrio”.
FONTE DA IMAGEM: Universidade de Lisboa
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