O TIO JOE
Joe era um miúdo simples que gostava de coleccionar selos, caixas de fósforos e postais. Cresceu e foi parar à África do Sul onde, nuns negócios de ouro, fundou a maior e mais rica empresa de exploração do precioso metal.
E como gostava de coleccionar, continuou. Mas desta vez, obras de arte. E coleccionou, coleccionou, coleccionou, coleccionou,… chegando a ser considerado o maior detentor privado de uma colecção de arte. E abriu um museu, para mostrar ao povo aquelas belezas avaliadas em milhões de euros. E foi condecorado. Com a Ordem do Infante D. Henrique.
Diz a descrição que esta condecoração visa: distinguir a prestação de serviços relevantes a Portugal, no país ou no estrangeiro, ou serviços na expansão da cultura portuguesa, da sua história e dos seus valores.
Não comento sequer esta atribuição.
A verdade é que todos nós começámos a ver aquela figura de fato preto, com um sotaque esquisito, meio «americanado» (de americano), na televisão, em capas de jornais e revistas, em anúncios publicitários... E de repente aquele que foi um miúdo simples tinha agora participações em vários bancos nacionais. O dinheiro corria de tal maneira que até lançou uma OPA sobre o Benfica. E os negócios foram crescendo, com mais ou menos polémica. Com mais ou menos lucro.
Um dia, o miúdo simples que agora era Comendador, recebe um telefonema de um banco:
- Tás bom Joe? Olha, temos uma proposta para te fazer. Queremos emprestar-te uns milhões de euros para ires para a bolsa comprar acções de um banco que está aí com uns problemas financeiros…
Responde o Joe, surpreendido: - Empréstimo? Mas quanto?
- Neste caso, 385 milhões de euros.
Fez-se um silêncio. Joe respirou fundo. Respondeu: - Mas eu não preciso de nenhum empréstimo, muito menos para comprar acções. Isso é muito dinheiro. Como é que vou pagar essas prestações?
- Vais jogar na bolsa! Não há riscos! Pagas o empréstimo com os lucros da bolsa e ajudas o banco a sair deste buraco financeiro. Não tens nada a perder. Aceitas?
Joe voltou a suspirar: - Mas isso pode correr mal…
Joe ouviu risos do outro lado e a frase:
- Não corre nada mal! Tem tudo para correr bem e no fim ainda recebes outra medalha por teres evitado uma crise financeira em Portugal. Mas se ficas mais descansado, não ponhas nada em teu nome!
E assim foi. O miúdo simples que coleccionava selos, caixas de fósforos e postais, transformou-se no maior devedor à banca portuguesa, tendo como objectivo salvar Portugal de uma crise financeira. Digam lá que não foi um acto patriótico?
Uma das perguntas na Comissão de Inquérito: geralmente quando se joga é com dinheiro próprio e não com dinheiro que se pediu emprestado a um banco para salvar outro banco. E se não tiver lucros? Como é que paga a divida?
Resposta do Joe, com um sorriso de orelha a orelha:
- Por isso é que estamos aqui. Não ouve lucro. Não vou pagar uma divida que não pedi. Eu não tenho dividas. E só tenho uma garagem.
E com esta declaração (que reproduzo quase textualmente), sorriu abertamente.
Confesso que não sei como é que a Comissão de Inquérito permitiu aquele gozo descarado sobre um assunto tão sério. Adiante. Sobre a postura do miúdo Comendador já muito foi dito.
O que importa agora é a indignação sobre a condecoração. Deve ou não deve ser retirada a distinção pela prestação de serviços relevantes a Portugal? Mas… e se tivesse corrido bem? Não tínhamos tido TROIKA, nem um “aumento brutal de impostos”, nem austeridade,…
O pior é que tivemos. E como os portugueses têm um fado que carregam aos ombros resignados, olham para tudo isto e conseguem sorrir e fazer piadinhas e piadolas.
Deixo aqui uma mensagem ao miúdo:
Não estejas preocupado. Preso não vais. Pagar também não. Para isso estamos cá todos nós, os dez milhões de portugueses que irão suportar a tua divida de milhões, com mais um ou outro imposto. Sobre a tua colecção de arte, não te preocupes. O teu nome ficará para sempre associado a ela. E daqui por uns anos já ninguém se vai lembrar que o estado português a comprou num leilão para assegurar a sua permanência em Portugal. E não te inquietes. Quando o estado português adquirir a colecção será apenas e só com os nossos impostos. Afinal a tua garagem não chega nem para comprar a moldura de um dos quadros mais pequenos que lá tens.
Mas prepara-te. A única condenação que o estado português está a considerar, é retirar-te a distinção, a medalha. E deixas de ser Comendador. Sei que vais sentir uma dor profunda no teu peito. Vais sentir como se te tivessem tirado a liberdade e estivesses fechado entre quatro paredes até ao fim da tua vida. Respira. Chora. Bebe uns copos. Depois, voltas à tua vidinha, às tuas raízes, e talvez tornes a coleccionar selos, caixas de fósforos e postais… sei lá.
Mas como a memória do povo é curta, e o que vale hoje não vale amanhã, prevejo-te um futuro risonho. Acredita que, como és um homem de negócios, vais florescer e tudo se vai recompor. Aposto que ainda acabas um dia, no Panteão Nacional, ao lado dos grandes deste país. Acredita em ti. E desconfia quando te voltarem a ligar de um banco para te oferecerem um qualquer empréstimo de milhões de euros ☺.
Como diria Ricardo Araújo Pereira, numa das Mixórdias de Temáticas da Comercial, neste fim de estória deveria ouvir-se um som e gritaríamos: RRREDIIIIIIIIIIIICULO! (com «E» ☺)
FONTE DA IMAGEM: 24.sapo.pt/atualidade/artigos/inqueritocgd
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