VALORES... DO DINHEIRO
Hoje o Presidente da República promulgou o aumento do salário mínimo da função pública para 635,00€. Brutos. Ou seja, os funcionários públicos nos dois primeiros escalões que recebiam 532 e 583 euros brutos passam a receber 635.
A notícia imediatamente a seguir: o salário mínimo nacional é de 600,00€ brutos. Pelo que os funcionários públicos ganham mais 35€ do que os que trabalham no privado.
Ironicamente apetece-me perguntar: Como é que é possível o estado ter esta atitude discriminatória definindo portugueses de 1ª e de 2ª? E até simular um hipotético diálogo:
Dizem os trabalhadores do privado:
“Estes c....... que vivem à nossa conta! São com os nossos impostos que lhes pagam os ordenados!”
Dizem os funcionários públicos:
“Nós também pagamos impostos! E tudo o que recebemos é declarado. Não há cá valores extra não declarados.”
O estado enquanto patrão, decide estabelecer um valor mínimo para o ordenado mais baixo dos seus funcionários, (acima do salário mínimo nacional e à semelhança de outros patrões que adoptaram a mesma medida) e toda a gente fica indignada.
Notícia seguinte: o governo e a ADSE estão reunidos para chegarem a um acordo. E estes dois assuntos que aparentemente não têm qualquer tipo de relação estão intimamente ligados.
Ou seja, como o estado não definiu uma tabela sobre o custo máximo de determinado serviço prestado a um qualquer utente abrangido pela ADSE, os serviços privados estabeleceram as suas próprias tabelas. E assim, um mesmo exame, que tem por exemplo, um custo de 100€ num hospital público pode atingir os 5.000€ num hospital privado. E como têm acordos com a ADSE, enviam as facturas para que os impostos dos funcionários públicos (sim são só os funcionários públicos que sustentam a ADSE) os paguem.
Se eu fosse jornalista o que perguntaria às administrações dos grupos de saúde envolvidos seria: se esta regra se aplica em todos os sectores. Ou seja, dado que o governo apenas estabelece valores mínimos para o custo de determinado serviço ou prestação de serviço, qual é o valor mais baixo de ordenado que pagam aos seus trabalhadores? Não me digam que a resposta seria: o salário mínimo nacional?
Onde estão os sindicatos? Onde estão as concertações sociais? Onde andam os patrões? Para receber, e não existindo limite, aplicamos um valor alto mas ainda assim razoável. Para pagar, cumprimos o definido por lei. Ou seja, nos ordenados mais baixos pagamos o salário mínimo nacional que é o que está definido por lei. Nos custos relativos ao serviço que prestamos a cada utente, cobramos o que nos apetece porque o valor definido é o mínimo e desde que não cobremos menos que esse valor podemos cobrar o que nos der na real gana.
Lembro-me de há uns anos ter participado em algumas reuniões sobre uma Tabela de Taxas. E das diferentes taxas que então foram definidas, uma dizia respeito ao valor do m2 de um terreno. E a proposta era simples: se o proprietário tivesse que pagar, o valor era um. Mas se tivesse que receber, o valor era outro e substancialmente mais baixo. Dependia de que lado se estava. Sendo que o terreno era o mesmo. Os m2 eram os mesmos. Mas o valor, era outro.
Alguém disse que “o problema de Portugal são os portugueses”. E esta é a mais crua e dura verdade. Temos dois pesos e duas medidas que vamos gerindo conforme dá jeito.
Se é para pagar, pagamos o mínimo e o mais tarde possível. Se é para receber, recebemos o máximo que pudermos mesmo que até possa demorar algum tempo. Porque o estado demora tempo a pagar, é certo. Mas não desaparece, não abre falência e paga sempre.
A próxima notícia que gostaria de ter ouvido era relativamente aos patrões do privado. Qualquer coisa do tipo: vamos actualizar o valor do ordenado mais baixo para os 635,00€ apesar do salário mínimo nacional ser de 600,00€.
E digo eu mais uma vez ironicamente, que ninguém se lembre disto. E até consigo imaginar a indignação:
O que vai ser das empresas? Já têm poucos impostos e obrigações fiscais para cumprir! Era o que faltava era agora pagar mais 35€ aos trabalhadores que recebem o ordenado mínimo!
Hilariante.
Lembro-me de uma piadinha que ouvi há alguns anos: numa empresa privada havia uma comissão de trabalhadores cujo presidente era um tal de Zé. E reivindicava. E convocava manifestações. E organizava greves. Um dia um dos sócios da empresa, cansado das reclamações diárias teve a ideia de convidar esse tal Zé para sócio da empresa. Quem melhor do que ele para promover o diálogo com os trabalhadores? E o tal Zé aceitou. E o descontentamento continuou. E os colegas que agora eram seus empregados perguntaram-lhe: «então já não nos defendes, já não lutas pelos nossos direitos?» Ao que o tal Zé respondeu: «calma amigos, calma; agora que sou patrão é que sei como as coisas são!»
Voltando à promulgação do salário mínimo na função pública. Concordo inteiramente. A questão é: então quem entrar agora num qualquer serviço público vai receber o mesmo do que alguém que trabalha no mesmo serviço há anos? E os dois escalões imediatamente a seguir que recebem 635,07€ e 683,13€? Nada? Não têm direito a nada? E os outros todos?
E a ADSE? É um seguro de saúde como outro qualquer. É pago única e exclusivamente, mensalmente, pelos cerca de 700 mil funcionários públicos. Não é favor nenhum, nem imposto nenhum dos restantes milhões de portugueses. Os restantes milhões de portugueses têm o seu próprio seguro de saúde (pago por si ou pela empresa onde trabalham). Os que não têm ADSE nem seguros de saúde, têm o sistema nacional de saúde para o qual, e aí sim, entram todos os impostos de todos portugueses.
Sobre a estória que partilhei da Tabela de Taxas, quando foi finalmente aprovada, o valor do m2 de terreno ficou igual. Ou seja, é indiferente se paga ou se recebe. O valor é igual porque o terreno é o mesmo. Uma conclusão simples depois de complicadas reuniões.
Sobre os serviços prestados pelos hospitais privados: em primeiro lugar, são um negócio. E como qualquer negócio é gerido para dar lucros. E quanto menos despesa e mais receita houver, maior é o lucro.
E o que vai sendo dito é que os hospitais públicos não têm capacidade para acolher os milhares de beneficiários da ADSE que recorrem aos serviços prestados pelos hospitais privados. Lembrei-me da Católica. É aplicar a mesma norma: se os hospitais privados prestam um serviço público (provavelmente menos questionável) é declará-los como serviços de utilidade pública. E assim, não pagam impostos, cobram os mínimos definidos por lei e garantem a assistência médica ao povo que não tem nada a ver com estas guerras económicas.
Porque afinal é o povo que sustenta isto tudo. E se, num cenário fantasioso, o povo acabar, acabam-se de vez as negociatas. Porque a verdade é que o que faz movimentar o mundo é o dinheiro. O resto? O resto deixem lá para as ONG humanitárias. Já chegam para estragar os lucros que podiam existir nisto ou naquilo.
Ridículo. É como se estivéssemos na idade média. Ou mais atrás ainda, a viver em cavernas. Onde pela força se impõe a vontade. Aqui a força é a do dinheiro. E ou se tem ou não se tem! Mais nada.
O que nos descansa a todos é que afinal, vivemos num estado de direito democrático. E amanhã é outro dia. E já ninguém se lembra de nada disto. E as notícias serão outras. E o Trump publica mais qualquer coisa polémica. E o BREXIT volta a ser notícia. E o Bolsonaro. E o Maduro. E a moção de censura ao governo. E as eleições europeias. E as promessas. E os candidatos de sempre. E a posição do PAN sobre isto ou aquilo. E a Ana Leal. E…
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