TEORIA DA CONSPIRAÇÃO
Hoje, por volta das três horas da tarde, foi entregue na Assembleia da República o Relatório da Auditoria realizada à Caixa Geral de Depósitos relativo ao período compreendido entre os anos 2000 e 2017.
Parece que houve gestão danosa e que o banco público esteve perto da falência por créditos mal concedidos. Isto melhor explicado quer dizer o seguinte: Alguém pediu muito dinheiro emprestado. A Caixa emprestou. E esse alguém não pagou, transformando-se num grande devedor à banca.
O Parlamento, através de uma Comissão de Inquérito, vai agora analisar o Relatório para que sejam apuradas responsabilidades político-partidárias.
Diz o nosso Primeiro-Ministro que está surpreendido por nunca ninguém de governos anteriores ter solicitado uma auditoria ao banco público. E acrescenta que espera que sejam apuradas responsabilidades políticas, partidárias e criminais.
Dizem os entendidos que se houve crime, prescreveu. E todos os que vierem a ser chamados à Comissão de Inquérito do Parlamento para falarem sobre o assunto, estarão todos muito bem aconselhados e apoiados, pelo que as “faltas de memória” serão respostas dominantes… afinal há coisas que já aconteceram há 18 anos… quem é que se vai lembrar do quê?
Acresce a toda esta... como direi? encenação?, a questão relacionada com o sigilo bancário, pelo que ninguém, vai saber quem são os grandes devedores da banca portuguesa. E se forem apurados responsáveis, dificilmente irão repor o que ganharam com a má gestão do banco. Sendo que até há bem pouco tempo, a escolha dos administradores do banco público era através de nomeação politica (entenda-se do PS e do PSD-CDS), será responsabilizado o partido (entidade suprema que comanda os políticos) ou o político (enquanto primeiro-ministro, ministro, membro do governo)?
O grave disto tudo é que no final de contas, somos nós, todos nós, que pagamos estas brincadeiras. E já pagámos e continuamos a pagar. Do nosso dinheirinho, enquanto contribuintes, a Caixa Geral de Depósitos terá recebido cerca de 4 mil milhões de euros.
Mas para ficarmos animados, no mesmo dia, o administrador da Caixa Geral de Depósitos vem apresentar lucros de cerca de 500 milhões de euros, sendo que cerca de 200 milhões serão entregues ao estado. Diz o Administrador da Caixa que lhe parece lógico que se foram os portugueses a injectar dinheiro no banco público, os lucros sejam devolvidos a quem os representa: o governo. O governo que nos governa. Neste estado de direito democrático…
Tudo isto me fez lembrar o primeiro episódio da série que está a passar na RTP com o título “Teorias da Conspiração”. Resumidamente, a série (de ficção como é óbvio) relata um golpe financeiro de um grupo de vários homens ricos que pedem vários empréstimos de montantes elevados, a vários bancos. Com esse dinheiro emprestado, compram um banco e, transformam-se em grandes devedores da banca. Resultado: para ficarem donos de um banco, levam ao fundo os bancos onde pediram dinheiro. Pelo meio, um Primeiro-Ministro, o governo, assessores e nomeações duvidosas. A Policia e os polícias. E, os jornalistas.
Uma das personagens da série, numa festa grandiosa na casa de um dos homens-ricos e grande devedor da banca diz o seguinte: se deves 3 mil euros ao banco, tens um problema; mas, se deves 300 milhões, o problema é do banco. E na mesma cena, (e a propósito das respostas à Comissão de Inquérito que vai analisar o Relatório da Caixa), duas personagens falam sobre o golpe financeiro. Diz uma: Eu não sei nada, eu não vi nada. Responde o outro: É a forma sensata de se estar na vida.
E sendo ficção, não deixa de ser uma afirmação real. Quem não está lembrado de não há muito tempo atrás, famílias que deixaram de conseguir pagar as prestações da casa ao banco, viram-se apertados, esmagados, pelas máquinas bancárias? Todos os bancos tinham imóveis para venda resultado de penhoras, por falta de pagamento.
Não me lembro de ter ouvido algum nome sonante a ficar com um bem penhorado. Nem me lembro de ver casas milionárias à venda por terem sido penhoradas pelo banco. O que me lembro bem foi de pessoas como nós, que vivem do seu trabalho, que tiveram cortes salariais, que pagam os seus impostos, a ficarem sem casas que no limite valeriam 1.500 euros de prestação mensal.
Todos os outros, os grandes devedores da banca (até parece um titulo pomposo) continuaram e continuam a ser os grandes devedores da banca, com as suas vidas, as suas casas, os seus bens, longe de penhoras. E porque são montantes sigilosos, ninguém sequer vai saber quem são os meninos e as meninas.
Aguardo os próximos capítulos da série de ficção. Pode ser que, pelo menos na série, o final nos apresente um culpado ou culpados, responsabilizado ou responsabilizados. Tenho esperança que, pelo menos na série, o final seja de facto, ficcionado.
Porque para realidade já nos basta esta que hoje enche as notícias.
E porque ouvi agora mesmo outro entendido, transcrevo quase factualmente o que disse: a única maneira de responsabilizar os culpados da gestão danosa da Caixa Geral de Depósitos, se se vierem a apurar, é o povo manifestar-se nos actos eleitorais, penalizando o partido que terá tido essa responsabilidade.
Uma teoria quase tão boa como a de Saramago: o povo todo vai exercer o seu direito de voto. Mas votam todos em branco, para mostrarem de facto o seu descontentamento.
Era lindo. O que seria deste nosso estado de direito democrático?
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