OUTROS TEMPOS

Todos os dias de manhã e ao início da tarde, a cena repetia-se. Todos os dias. Era um velho homem do mar, perto dos 80 anos. Franzino. Em novo, salvou no mar, a tripulação do barco onde trabalhava composta por mais de 20 homens. «Outros tempos» dizia. 

Os outros velhos homens do mar tratavam-no com respeito, numa brincadeira que vinha dos «outros tempos».

Era ele que, quando o barco partia para a pesca em Marrocos durante semanas, tratava da comida e de garantir que chegava para todos. Era ele que ficava de guarda à cozinha, não fosse alguma coisa desaparecer… 

Chegava todos os dias, à mesma hora, ao Largo com vista sobre o mar que foi seu. Sapatos, calças e casaco a condizer. Por baixo, uma camisa e um colete. Na cabeça, um pequeno boné cobria-lhe o pouco cabelo.  Andava cabisbaixo. No silêncio do Largo, alguém dos outros homens do mar gritava: «tás teso hã!»

Ele, como que se desejasse aquele grito, parava. Lentamente, tirava a carteira do bolso de trás das calças e com todas as forças que ainda lhe restava, atirava a carteira de pele castanha contra o chão de pedras de calçada.

As gargalhadas enchiam o Largo de vida. De «outros tempos» vividos em comum. Depois, baixava-se, pegava na carteira, limpava o pó branco das pedras, e voltava a pô-la no mesmo bolso de trás das calças.

O silêncio voltava ao Largo. Ele, cabisbaixo, sentava-se perto dos outros homens do mar. Raramente trocavam palavras. Ali ficavam. Em silêncio até à hora de almoço. Depois, a cena voltava a repetir-se.

Um grupo de velhos homens do mar de «outros tempos» passava parte do resto das suas vidas, sentados nos bancos do Largo, a olhar o mar. Em silêncio até à próxima manhã. Esta era a rotina de vidas que já não tinham rotinas. O momento era aquele. Todos os dias. À mesma hora. Não sei se era sempre o mesmo a gritar a frase mágica. Ou se cada um deles tinha a sua vez. A verdade é que o velho homem do mar franzino perto dos 80 anos, naquele momento, voltava a ter 20 anos. E todos os seus camaradas de «outros tempos» também.