DINHEIRO

Há coisas que não percebo. Que me fazem confusão. E por isso fui ler um documento grande, elaborado e com alguns anos, que me deixou perplexa. É um decreto-Lei de 1976, com várias alterações e actualizações, com 296 artigos: a Constituição da República Portuguesa.

Podia-me ter dado para pior mas, um dia, com paciência, leiam.

Vem isto a propósito das greves. Das greves dos Juízes. Das greves dos Professores. Das greves dos Enfermeiros. E da greve que está marcada para a função pública nos dias 14 e 15 de Fevereiro.

Com a minha leitura fiquei a saber que os órgãos de soberania nacional são quatro: o Presidente da República (o próprio), a Assembleia da República (o Presidente e os Deputados dos diferentes partidos), o Governo (o Primeiro-Ministro e os Ministros) e os Tribunais (os Juízes). Não percebo. Isto quer dizer que podem, o Presidente da República, os Deputados e o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro e os Ministros e, os Juízes, fazer greves para, entre outros, reclamar a subida de remunerações?

O direito à greve vem no Capitulo III relativo a “Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores”. E diz: “É garantido o direito à greve.” Então sim, todos os trabalhadores podem fazer greve. Até os que compõem os órgãos de soberania nacional. Por isso é que os Juízes fazem greve... Será? Era só o que nos faltava era ver os Deputados a fazerem greve. Ou então os Ministros, descontentes com as suas remunerações e com as ajudas de custo e horas de jornada. Para não falar no Presidente da República que dizem, quase não dorme e está em todo o lado. Quem é que lhe paga as horas extraordinárias se muitas foram proibidas e outras reduzidas ao mínimo admissível?

Adiante. A mim o que me faz confusão é, por exemplo no caso da greve dos Enfermeiros. Fazem greve. Ok, têm esse direito. Mas, ao contrário dos outros trabalhadores que perdem o dinheiro de um dia de trabalho por cada dia de greve que fizerem (ou seja, o patrão não paga o dia de greve), os Enfermeiros têm um fundo monetário que garante o pagamento dos dias de greve. Ou seja, o cidadão comum, que recebe o ordenado mínimo nacional e que é doente dos hospitais públicos, tem um qualquer problema. E desse problema, resulta a integração numa lista de espera de meses, para ser operado a isto ou aquilo. Chega o dia da cirurgia. Os enfermeiros estão de greve. A cirurgia é cancelada. E o cidadão comum volta para a lista de espera que terá de ser reprogramada face aos dias de greve e ao cancelamento de cerca de 100 cirurgias diárias. Até nova marcação de data, que neste momento ninguém sabe para quando será (e acreditando que nessa nova marcação, ninguém está de greve) pode ser que o cidadão comum não morra entretanto. E claro que se for aberto algum inquérito para apurar responsabilidades, a conclusão será peremptória: não teve nada a ver com a greve. E claro, trabalhando ou não, durante um mês inteiro de greve, a verdade é que os Enfermeiros irão receber o mesmo, sem caroço, graças ao fundo monetário que têm para estas greves. Fantástico.

E os Professores. Já chateia. De tanto ouvir já nem oiço.

Parece que toda a gente se esqueceu que a crise que invadiu o mundo também chegou a Portugal. Em 2008 e 2010. E que desde essas datas, habituámo-nos a ouvir falar na TROIKA. E aceitámos os cortes salariais, a supressão dos subsídios de férias e de Natal, o congelamento da progressão nas carreiras, o fim de horas extraordinários, o aumento do IRS, o aumento de vários impostos,… Porque gastámos mais do que tínhamos. Vivemos à grande. E alguém teve de nos emprestar dinheiro. Quem não se lembra da frase histórica: um aumento brutal de impostos?

Desde 2008 até agora, passaram 10 anos. Muitos faliram. Outros fugiram. Alguns foram indiciados por crime. Outros são arguidos. Não houve (até ver) culpados. E o governo que nos governa, graças (entre outros factores) à popularidade de Portugal além-fronteiras que fez subir velozmente as receitas do turismo, tem vindo a repor alguns valores que nos foram retirados. E tem pago alguns montantes à TROIKA para ir abatendo o saldo devedor do país.

E porque começamos todos a ver que há dinheiro para isto e para aquilo, queremos aumentos salariais. Queremos as progressões na carreira. Queremos tudo o que nos tiraram e mais alguma coisinha. Porque o que nos tiraram foi há 10 anos e hoje, o valor é outro.

E temos a greve geral da função pública para os próximos dias 14 e 15. Revisão salarial porque, com o aumento do salário mínimo há trabalhadores que saem prejudicados. Isto quer dizer o quê? Quer dizer que alguém que entre agora ao serviço e tenha como remuneração base o salário mínimo nacional, vai receber nalguns casos mais, e noutros, quase o mesmo, do que trabalhadores efectivos com anos de serviço. Para além das diferenças ridículas entre as classes profissionais.

Sabem o que é que proponho? Que o país feche. Feche para greve. Na totalidade. Tudo fechado. Tribunais, escolas, hospitais, finanças, conservatórias, câmaras, transportes,… E todos os outros privados: escolas, hospitais, comércios, transportes, hotéis,… Tudo fechado para greve. Numa medida solidária e unitária. Para que o governo perceba de uma vez por todas o que toda a gente quer: subida de salários e redução de impostos.

Depois, saber como é que os Enfermeiros têm um fundo monetário que lhes permite fazer greve durante um mês inteiro. Ou seja, quase como uma baixa-médica. Fica toda a gente de greve em casa, ou na rua, ou aproveita e faz uma pequena viagem porque a verdade é que, neste modelo, não existem juntas médicas nem ninguém a fiscalizar do que é que consta a greve. E claro, no final do mês tudo normal. Ordenado por inteiro. Isto é fantástico. Já pensaram? Para que é que vamos trabalhar se nos pagam o mesmo para fazermos outras coisas que não trabalhar? Basta que lhe chamemos greve!

A verdade é que se eles têm este direito, nós também podemos ter. Porque pela Constituição da República Portuguesa somos todos iguais. E transcrevo parcialmente o artigo 13º.: Todos os cidadãos (…) são iguais perante a lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…) convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social (…).

quando todos tivermos tudo, porque somos iguais perante a lei, nos deveres e nos direitos, vivemos felizes e sem greves. E ficamos sentados, de papo cheio. E tudo funciona. O cenário idílico. Vamos embora! Juntos somos mais fortes, dizem os “Amor Electro”. Sem medos!

E de repente, neste paraíso e sem ninguém esperar, levamos com um aumento brutal de impostos e com a entrada de uma nova TROIKA…

Mas o que vale é o presente não é verdade? É preciso é viver intensamente, como se cada dia fosse o último. O futuro? O que é que isso interessa? Se calhar já cá nem estamos.

Mal comparado é como diz o Trump: alterações climáticas? Quais alterações climáticas? Isso é uma invenção dos cientistas! E eu acrescento um ditado popular: O futuro? O futuro a Deus pertence.

Santa paciência… dou por mim a pensar como é que estas pessoas gerem as suas casas?, e se a máxima utilizada é “chapa ganha, chapa gasta”, sem pensar no amanhã, no futuro deles próprios e dos seus dependentes?

Que fique claro que não tenho nada, absolutamente nada, contra as greves. Mas fico completamente contra as greves quando estas prejudicam apenas e só os mais fracos e mais desprotegidos. Já pensaram no encaixe financeiro que o estado garante em cada dia de greve de função pública? Os funcionários públicos são cerca de 700 mil. Se cada dia valer uma média de 30 euros é só fazer as contas. E os dois dias de Fevereiro como greve geral da função pública, se fizerem greve 50% dos funcionários públicos, serão mais de 20 milhões de euros que o estado encaixa nos cofres. E quem se lixa? O mexilhão. Todos os que fizerem greve recebem no final do mês menos dois dias de ordenado (excepto os Enfermeiros, claro). E todos os que precisarem dos serviços que estão fechados por ser dia de greve e que, perdem um dia de trabalho ou de férias para irem tratar de assuntos da sua vida privada.

Em pleno século XXI, já era tempo de proporem outro tipo de greves. Mais eficazes e menos penalizadoras para o comum dos mortais. Uma greve que penalizasse quem nos governa e não quem é governado. Uma greve que reivindicasse menos milhares de euros atribuídos no Orçamento de Estado, por exemplo, ao financiamento dos partidos… Uma greve que revelasse os gastos da Assembleia da República com assessorias, viaturas, presenças (verdadeiras e falsas)… Uma greve que comparasse dados e que exigisse que o exemplo venha de cima, de quem nos governa… Uma greve que ganhasse o apoio do povo que garante a existência do estado de direito democrático… 

Utopias. Nada mais que utopias. E sendo utopia, este texto já vai tão longo que o melhor é, em voto de protesto, fazer greve!


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